Curta nossa página


Caminhada no travesseiro

Benjamin, o sedentário e eterno dorminhoco

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução/Istock

A gritaria tomava conta do parquinho, repleto de crianças correndo de um lado para o outro. Todas animadas por mais uma manhã ensolarada. Isto é, menos o pequeno Benjamin, que não descia do colo da mãe nem quando lhe ofereciam um algodão doce. Preferia o aconchego, pois gostava mesmo era de dormir. E como dormia aquele garoto!

A mãe, preocupada com o comportamento do menino, até o levou ao médico. Este logo suspeitou de anemia falciforme. Mas que nada! As hemácias do pirralho eram mais circulares que um bambolê. Fizeram outros exames no Benjamin, pensaram até que ele fosse autista ou sofresse de alguma doença rara. Ele era saudável. O doutor, para não ficar com cara de bobo, disse que o garoto sofria de preguiça crônica. A mãe, que precisava de um diagnóstico, ficou satisfeita com o que ouviu.

Benjamin cresceu um tanto, e a preguiça parece que aumentou em progressão geométrica. Nada parecia fazer com que ele se animasse, nem mesmo quando chegou o tempo da discoteca, quando todos os jovens da rua corriam para a pista de dança. E foi justamente nesse tempo em que o agora adolescente trocou os primeiros olhares com Clarice, uma bela garota de cílios tão negros, que todos os rapazes se esqueciam do resto.

Quase apaixonado, Benjamin até tentou lutar contra a própria natureza. Todavia, todas as vezes em que se esforçava para se animar a vestir a melhor roupa pro baile, eis que uma força ainda maior o puxava de volta para a cama. Quando muito, passava as tardes na sala, quase sempre esparramado no sofá. Mesmo assim, essa vontade irresistível de se manter deitado não foi o suficiente para impedi-lo de estudar, se formar e arrumar um excelente emprego em uma grande empresa de informática.

Nem precisava sair de casa, pois resolvia todos os problemas de forma remota. Sentado em uma ampla poltrona toda acolchoada, o preguiçoso conseguiu triplicar o faturamento da empresa. Isso foi mais que bastante para lhe garantir o cobiçado posto de vice-presidente.

Lá pelos 30, com dinheiro suficiente para uma vida inteira de luxo, Benjamin parecia um homem realizado. Mudara para uma ampla casa, repleta de cômodos, alguns até onde ele jamais havia colocado os pés. Morava com a mãe, agora uma senhora de quase 70, que gostava de receber as amigas para o chá.

Foi justamente num desses eventos que Benjamin voltou a trocar olhares com a agora mulher de cílios negros. Clarice acompanhou a tia, que era amiga da mãe de Benjamin. Tomou chá com as velhas na ampla mesa no jardim cheio de flores exóticas, bem em frente à piscina em forma de violino.

Não se sabe como, mas Benjamin não resistiu ao charme daquela mulher e, então, foi lhe fazer companhia. Sorrisos daqui, sorrisos de lá, Clarice se sentiu atraída pelas olheiras daquele homem. De tão encantada, aceitou o convite de ir visitá-lo na semana seguinte.

Cada vez mais envolvidos, os pombinhos, agora enamorados, oficializaram o romance em uma grande festa. No dia seguinte embarcaram rumo para a maravilhosa João Pessoa, onde se hospedaram em um badalado hotel em frente à praia. Benjamin, percebendo a alegria da esposa, foi tomado de uma euforia e os dois se amaram até a manhã seguinte.

O casal despertou ainda abraçado. Tomaram o café da manhã ali mesmo naquela ampla cama. O barulho das ondas chegava aos ouvidos de Clarice e Benjamin. Ela se levantou e abriu a janela, o que fez com que aquele cheiro irresistível da maresia tomasse todo o quarto. A mulher desejou ir até a praia, pisar naquela areia branquinha, sentir a água nos pés.

– Amorzinho, vamos dar uma voltinha?

– Hum… Prefiro fazer caminhada no travesseiro.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.