Um dia daqueles
Benvindo vê felicidade em convite para assistir Vasco
Publicado
emÉ, o dia estava bom até eu sair da cama: um amigo em surto de ansiedade, outro em luto, um terceiro tomou um fora. E, para piorar, descobri que esses três amigos sou eu. Além do mais, o destino parece que me pregou uma peça, pois me chamo Benvindo José da Felicidade dos Santos. Quanta ironia em um nome tão comum! Aposto que você conhece, no mínimo, uns três.
Meu pai, que queria repetir o próprio nome no primogênito, acabou convencido por mamãe a mudar de ideia. Tudo por conta da data do meu nascimento, dois de novembro lá pelos idos de 1973. Do meu pai, restou apenas José e dos Santos. Felicidade, que mamãe nunca teve, foi invenção de minha avó, já acometida pela catarata. Mesmo assim, ela, até o último suspiro, jurava que havia enxergado esse sentimento nos meus olhos.
Pois perdi vovó e, ao buscar conforto no colo da minha então namorada, a Rita, percebi uma mensagem há pouco recebida no celular: “Benvindo, não te amo mais. Creio que nunca o amei de verdade. Então, adeus!” Diante de tais notícias devastadoras, como é que alguém não fica deprimido? Taí o motivo de tanta ansiedade.
Nessas horas, queria ter a coragem do meu bisavô, cuja demência avançada o atormentou pelos anos 1940. Garrucha na mão, nem precisou pensar para puxar o gatilho. Foi aquele festival de sangue e massa encefálica para todo lado. Minha mãe me disse que foi necessário mais de ano de sabão e esponja para tirar as manchas na parede da antiga casa. No final, acabaram dando uma boa mão de tinta branca para esquecer tamanha desgraça.
Para falar a verdade, mamãe, a despeito do ocorrido com o avô, sempre me disse que essa vontade de andar armado era coisa de homem pequeno. Não no tamanho, mas por conta da masculinidade abalada. Ela até hoje gosta de dizer que sujeito fraco é o que precisa ostentar na cintura algo que lhe falta na virilha.
Pois não serei eu a dar mais esse desgosto à minha mãe. Que sabão e esponja tenham outro destino mais nobre do que limpar as paredes daqui de casa. Além do mais, não tenho revólver, nem mesmo um simples estilingue. E, antes que eu possa pensar em outra alternativa para meu fim, eis que sou salvo por uma mensagem no celular. É meu grande amigo Leo, apaixonado por futebol: “Benvindo, que tal ver o nosso Vascão lá na casa do Seabra?”