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Bicicletas e pedestres devolvem espaço público à população

No mundo atual, onde 70% da população reside em cidades, se faz cada vez mais necessário repensar nas formas como as pessoas ocupam e usufruem dos espaços urbanos; e se atividades cotidianas como educação, produção, deslocamento e lazer são realizadas sem que haja o comprometimento da qualidade de vida.

Isso nos leva diretamente a refletir sobre como todos os locais onde essas atividades acontecem são utilizados, especialmente os espaços públicos.

Se um de nossos antepassados pré-históricos fizesse uma viagem no tempo e, repentinamente, se visse numa cidade atual, ficaria intrigado ao ver algumas pessoas se movendo velozmente no interior de caixas de aço ocupando a maior parte de ruas e avenidas. Enquanto isso, outras pessoas, em maior número, estariam tentando se locomover caminhando ou pedalando rodas metálicas em áreas restantes.

A utilização da imagem metáforica do nosso antepassado pré-histórico procedendo essa observação foi utilizada porque ele iniciou a forma mais preliminar de mobilidade: a caminhada, e só um bom tempo depois inventou a roda.

Entretanto, esse antepassado certamente não teria tido tempo suficiente para se deixar contaminar pela cultura do automóvel, considerado o “rei das ruas”. Nosso visitante constataria que locais onde pessoas deveriam caminhar, se encontrar, conversar, foram consumidos por amplas e barulhentas avenidas repletas de pessoas das caixas de aço, paradas em congestionamentos ou trafegando velozmente, e sempre despejando fumaça tóxica.

Por esse motivo é que, antes de receberem essa impossível e inesperada visita direto da pré-história, muitas cidades do mundo, entre elas as brasileiras, acordaram para o que estavam se tornando.

Foi iniciado, assim, um resgate dos espaços perdidos para formas de uso desumanas, decorrentes da excessiva valorização e priorização do trânsito motorizado. Esses espaços têm sido devolvidos para a fruição de seus habitantes em formatos mais humanos e qualitativos.

Para se atingir essa meta, políticas públicas de mobilidade envolvem, além do transporte público coletivo, o incentivo às formas de mobilidade não motorizadas a pé e por bicicleta.

Não é preciso ser um gênio matemático para saber que por uma virtual faixa de 3,5 m de largura passariam no máximo 2.000 pessoas por hora em automóveis. Já pela mesma faixa passariam quase 15 mil pessoas pedalando e 20 mil pessoas caminhando.

Tudo isso sem consumir qualquer tipo de combustível, sem exalar fumaça ou resíduo tóxico, resultando em boa saúde pela prática de exercício físico e, o que é melhor, com muito mais qualidade de vida pela redução do tempo gasto nos deslocamentos diários – além da oportunidade diária para formar e consolidar redes de relações sociais com os demais habitantes.

Essa economia e racionalidade é que torna atrativo qualquer investimento em redes de mobilidade não motorizada, porque seu principal trunfo é a economia de um recurso cada vez mais em falta nas grandes cidades: espaço público. Qualquer infraestrutura voltada para a mobilidade não motorizada requer muito menos espaço para acomodar um número maior de usuários, impacta muito menos no ambiente urbano e contribui até pela sua melhoria ao revitalizar áreas residuais abandonadas ou privatizadas.

É de se esperar também uma sensível redução na ocorrência de acidentes de trânsito, em especial atropelamentos, uma vez que o redesenho urbano da geometria e do uso do espaço e do tempo viário reduz padrões de velocidade veicular para níveis adequados ao compartilhamento seguro, confortável e harmonioso das áreas de circulação cotidiana.

A ampliação dos espaços e das oportunidades de convívio entre as pessoas, a aproximação e a intensificação das relações sociais como forma de vigilância urbana informal eliminam o isolamento e o anonimato que favorecem situações de violência urbana e promovem melhoria na segurança pessoal desses locais, tornando-os ainda mais atrativos.

A saúde do ambiente urbano e a saúde da população também são favorecidos: ambientes urbanos aliviados dos resíduos proveniente das emissões de gases tóxicos do tráfego motorizado, além da redução dos níveis de ruído de motores e buzinas, promovem a imediata melhoria qualidade de um deslocamento a pé ou por bicicleta, tornando a prática desses modais ainda mais atrativas para viagens que estejam em sua escala de até 5 km.

E a prática diária de modais ativos como uma caminhada ou uma pedalada em substituição ao deslocamento passivo do automóvel reduzem gastos públicos com doenças causadas pelo sedentarismo e obesidade, cada vez mais presentes na população das cidades brasileiras e atingindo públicos cada vez mais jovens.

Por último, a mais importante vantagem trazida pelas políticas que valorizam as formas de mobilidade não motorizada é a felicidade trazida pela convivência entre as pessoas nos processos de apropriação dos espaços públicos.

O que isso significa? Significa que quando você caminha ou pedala pode observar, conhecer, interagir com muitos locais e outras pessoas que estão fazendo a mesma coisa, conhecidas ou não. É ótimo começar o dia encontrando gente conhecida e até prosseguir seu caminho com elas, experiência quase impossível para quem se encontra no isolamento e na velocidade do automóvel.

Essas pequenas experiências cotidianas expandem nosso universo para além das paredes de nossas zonas de conforto e contribuem para estímulos sensoriais que estabelecem sensações de bem estar, satisfação com a vida, enfim, felicidade.

E felicidade é um fator que começou a entrar nas medições de qualidade de vida através de conceitos propostos pela Economia da Felicidade. De acordo com Pedro Fernando Nery, esse conceito aponta que fatores não econômicos podem influenciar no nível de satisfação das pessoas e a criação de espaços públicos que permitam a convivência agradável geram cidadãos mais felizes.

Maria Ermelina Brosch Malatesta

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