Lá estava aquele garoto espevitado, a cara do pai, o humor do avô, o xodó da avó. Bastava entrar em um recinto, todos já o olhavam esperando que algo inesperado fosse acontecer. E, para falar a verdade, geralmente acontecia. Ah, o seu nome era Gabriel, mas todos o chamavam de Bicudo. E essa história sobre esse menino aconteceu no último Natal, quando alguns familiares estavam reunidos na casa de uma tia, a Salete.
Já na entrada, Bicudo tomou a dianteira e passou pela tia sem percebê-la, enquanto o pai e a irmã cumprimentavam a anfitriã. Salete não deixou tal situação passar e foi logo questionando o sobrinho:
– Ué, você não me viu aqui?
– Claro que vi! Tanto é que até falei “Tudo bem por aqui? Como vão as coisas? Feliz Natal!”
Salete ficou confusa. Talvez, ela, ansiosa por receber tanta gente em casa naquele dia, não tenha mesmo percebido. Seja como for, logo estavam todos na varanda, onde os assuntos eram diversos, até que o pai do Bicudo, demonstrando certo orgulho, contou que o filho havia passado de ano direto, e todas notas eram excelentes. Aliás, quase todas!
– Parabéns, Bicudo!, exclamou a avó, que sempre bajulava o neto.
– Você pode até ser médico!, falou o avô.
– O que precisa para ser médico, vô?, perguntou o Bicudo.
– Em primeiro lugar, precisa estudar muito!
– Ih, vô, então, tô fora!
Todos riram, até que o pai do Bicudo mostrou o boletim do menino. Lá estavam aquelas menções altas: 10, 10, 9, 10, 10… Até que surgiu um 5 em artes. O tio, para não perder a piada, perguntou para o Bicudo quanto ele havia tirado em artes. O Bicudo, talvez pela primeira vez na vida, respondeu meio envergonhado. O pai, percebendo que o filho estava em apuros, disse que o Bicudo não era das artes plásticas, mas das cênicas. No entanto, a irmã do Bicudo, quase muda durante toda a festa, saiu com essa:
– Só se for das artes cínicas!