Notibras

Bidê nosso de cada dia tem mil e uma utilidades

Carioca de berço e brasiliense por adoção, assimilei rapidamente as idiossincrasias da capital, onde cheguei no início da década de 80. Pelas mãos de um dos amigos mais queridos, depois padrinho de casamento, fui apresentado, quase que simultaneamente, às maravilhas da QI 27 do Lago Sul e do Bar Academia e ao calvário do leite e pão distribuídos por Múcio Athayde, um então deputado federal travestido de empresário da construção civil, cujo sonho irrealizável era ser governador do Distrito Federal. Morreu rico, sem mandato, mal amado pela bela miss que desposou e odiado por centenas de compradores dos imóveis que vendeu, mas nunca entregou. Como prova de que aqui se faz e aqui mesmo se paga, a má fama se recusou a acompanhar o Homem do Chapéu em sua última morada.

Meses depois da chegada a Brasília e, após alguns sustos no térreo da redação de um jornaleco montado por Múcio para ajudá-lo na empreitada política, me acostumei a almoçar e, às vezes, jantar na casa de um companheiro de jornal. Mineiro, mas com linguajar absolutamente nordestino, o tipo tinha hábitos e trejeitos nada republicanos e pouco convencionais para um sujeito viripotente e sem máculas no currículo de macho. Incômodo zero, principalmente porque estávamos sempre vigiados pela secretária. Além disso, o respeito era a condição sine qua non para manutenção da amizade recém-iniciada.

O apartamento era simplório, com apenas dois dormitórios e sem suíte. Portanto, naturalmente o esvaziamento da bexiga tinha de ser em ambiente único. Numa dessas incursões ao mic supercolorido, confirmei a verdadeira identidade do parceiro jornalista. Ele mantinha na casinha, também conhecida por quartinho, um reluzente bidê ao lado do vaso sanitário. Conforme depoimento do próprio usuário, em dias de sol ou de temporal com raios e trovões, o aparelho roseado era utilizado religiosamente todas as manhãs. Em tempo, lembro que o bidê era o par perfeito do vaso sanitário em quase todos os banheiros das casas brasileiras dos anos 50, 60 e 70. Feito para ser usado na sequência do vaso, a louça servia para a higiene íntima.

Para profundos e chorosos lamentos do amigo, o equipamento higienizador de “roscofes” caiu em desuso a partir da modernização das casas e apartamentos. Atualmente, quase ninguém da nova geração sabe o que é um bidê. Os jovens e os menos velhos desconhecem a importância da máquina para o êxtase físico dos mais antigos. Infelizmente, os “criados mudos” sumiram dos lares brasileiros. Deram lugar à ducha higiênica, que ocupa espaços menores e fazem a mesma função. Para alguns, até melhor. De acordo com a pressão da água, a famosa chuveirada matinal nas partes pudendas costuma arrancar sussurros leoninos em nosotros, particularmente nos machos alfa, aqueles que se trancam no armário e jogam a chave fora.

Não tenho a verve prolixa de Janete Clair, que conseguia escrever 150 capítulos para explicar o sofrimento de uma cirurgia de fimose. Por isso, vou direto ao ponto. Voltando ao bidê do companheiro jornalista, com dois cliques e uma assuntada no buraco da fechadura descobri a forma como o gajo usava o trem higiênico. Como ele tinha ereções somente pela manhã, seu primeiro bom dia era ao bidê. Com a cueca na altura dos joelhos, agachava-se sobre o equipamento, ligava as duchas quente e fria, com esguichos verticais na altura das partes inferiores e, ziguezagueando a cintura, balbuciava desconexamente palavras em grego, latim e em português de Portugal: “Quente e frio, quente e frio”. Paralelamente ao frisson, manipulava o biscoito até se comprazer sinuosamente.

Como ele não se opôs, contei a história na redação, na qual ele acabou apelidado silenciosamente de “masturbador solitário do bilau alheio”. Tem gosto para tudo. Não aderi à bidedização, mas confesso ter sido apresentado ao par perfeito do vaso sanitário na casa de meus avós. Não sei quem o usava com mais frequência, tampouco se utilizavam a bacia oblonga com o propósito para o qual ela foi criada. Lembro com alguma nitidez das madrugadas em que vovó, sentada no bidê – sei lá se ducha quente ou fria – resmungava bem alto: “Já que não é usada, pelo menos bebe”. Só fui entender o real sentido da desconexa frase ao conhecer o parceiro jornalista na intimidade. Antes de qualquer maledicência, posso afirmar que meu amigo abandonou o bidê. Por consequência, parou de sentar. Hoje, ganha uma boa grana com palestras sobre sua imbrochabilidade.

Sair da versão mobile