Sheila Leirner
Não existem padrões particulares para avaliar uma Bienal, seja ela temática, experimental, improvisada ou estranhamente conceituada por um curador cujo discurso e escolhas artísticas falam de tudo, menos de arte. O papel dela continua exatamente o mesmo em qualquer parte: servir como barômetro da situação artística (e, portanto, também extra-artística) do planeta ou parte dele, desenvolvendo não apenas a reflexão sobre os caminhos da arte, mas sobretudo a prática mesma de torná-los compreensíveis para o público.
Assim, pode-se dizer que a 32.ª Bienal, que termina no domingo, 11, teve a infelicidade de cumprir o oposto de sua vocação: a arte do nosso tempo não foi a medida da atuação curatorial. Em vez de espelhar democraticamente o efervescente estado artístico atual, impôs – de cima para baixo – ideias e “produtos escolhidos a dedo”, que “colam” em certas realidades e ideologias de circunstância. E tudo isso por meio, não de um tema, mas de um subterfúgio tendencioso, oportunista, obscuro e suficientemente elástico, que permitiu pescar somente estratégias estéticas que confortassem o seu raciocínio.
O resultado deste ingênuo ensaio exegético da “incerteza”, saído de um projeto tímido e vacilante, apoiado nas muletas teóricas da ocasião, não é “incômodo”, “sereno” ou “suave” como querem alguns. É apenas vago, negligente, inacabado, para não dizer indigente. Não é porque esta pequena exposição de 330 obras se mostra antagônica ao mercado e às feiras, como aliás devem ser todos os eventos desse tipo, que ela possui algum mérito.
Possuiria valor se não tivesse perdido a oportunidade de seduzir e fascinar o público, oferecendo-lhe arte, história e real concentração do espírito em vez de entretenimento e lazer, paradoxalmente sob o peso dos mesmos e sinistros motes de sua vida cotidiana. Um pobre espetáculo para o qual o visitante deve engolir etiquetas explicativas (ou justificativas?) que, quando não são ininteligíveis – como se constituíssem superegos intimidantes dos artistas – possuem pouca ou nenhuma relação com o que ele vê.
Pneus com ervas, oca, penduricalhos, chão de pula-pulas, museografia diluída, etc., apesar de seus possíveis significados latentes, são emblemas de uma edição decadente, a qual mesmo os raros e excepcionais artistas presentes não conseguem salvar. Esta Bienal é uma enorme decepção para os que sentiram durante várias décadas o encanto de novas descobertas a cada acontecimento no Ibirapuera. Teria sido mais acertado aguardar dois anos ainda, trabalhando melhor e arrecadando mais recursos, do que se expor ao ridículo de tal precariedade.
O que significa a meia dúzia de artistas históricos ou reconhecidos, pingados e perdidos no meio do pavilhão? Com ou sem comissionamento, e os riscos que ele implica, induziu-se os parcos 81 participantes (alguns com obras extremamente fracas) e coletivos, como se fossem fantoches, a criar e/ou discursar o que se quis que criassem e/ou discursassem, quando existe uma preciosa mina de arte e conceitos no mundo, de onde extrair verdadeiras pepitas de ouro.
Formar um conjunto forte e representativo de como as coisas da arte se apresentam em sua diversidade hoje em dia, de fato é tarefa hercúlea. Porém, não impossível. Um pequeno colegiado de jovens e talentosos curadores internacionais nunca foi suficiente. Seria necessário, antes de tudo, um enérgico grupo nacional de auxiliares em todas as áreas (como foi a Comissão de Arte e Cultura, nos anos 1980), hoje inclusive no campo filosófico e científico; um (e apenas um) curador-autor, e uma rede nacional e internacional de correspondentes curatoriais competentes.
Não é verdade que o curador-autor seja “modelo agonizante fora de cena”. Este continua figura essencial (também diplomática e política) que pode travar – sem preguiça – um fértil diálogo com instituições e interlocutores oficiais nacionais e estrangeiros, como se fez em algumas Bienais a partir de 1981 (antes de internet). Por que não retomar procedimentos que deram certo, ajustando-os às conquistas do século 21, em todos os setores?
Hoje, sabemos perfeitamente o que é arte contemporânea e as inverdades sobre a sua “suposta” crise. Temos trabalhos e criadores de sobra, infinitas possibilidades de escolha também para linhas de reflexão, e uma rica história de séculos em que colher heranças e relações. Contudo, “o moderno vai na direção de uma vida sem descendência”, a 32.ª Bienal de São Paulo o comprova. Ora, lutemos para que este vaticínio do filósofo Peter Sloterdijk não se realize!