De família produtiva e predestinadamente católica sem missa, cresci ouvindo os cultos matutinos, vespertinos, notúrnicos e até madrugadinos da rocambolesca e empavonada Igreja Presbicheriana. Localizada nos fundos de minha humilde residência, no longínquo subúrbio carioca, o templo de todos os amores era dirigido com mãos de luvas de pelica pelo bispo Tim Mello Rego, um dos maiores oradores da região era tido e havido como papa regenerador da irmandade perdida entre lençóis de alta rotatividade. Especialista em línguas, principalmente a hispânica, Mello Rego era um craque na arte de desobstruir caminhos sem a necessidade de oferendas em dólares, euros ou libras esterlinas.
Mesmo desvalorizado pelos reis polarizadores, o Real era bem aceito. Nada de ostentação, mas, nos bastidores, só aceitava vinhos franceses e australianos e caviar russo. Argentinos, chilenos e gaúchos eram distribuídos em forma de cesta básica. Sob o lema Deus acima de tudo, Brasil acima de tudo e nós embaixo de todos, a congregação, ao contrário do que muitos imaginavam, não era somente um reduto destinado ao povo de ré. Com apoio direto e irrestrito dos pastores Mela Saia, Paula Latejano, Crispin Tinho, Levi Adão e Peri Kitho, Mello Rego tinha por dever de ofício doar para meninos, rapazes e madurões de A a Z. Idosos só em ocasiões festivas.
Às vezes, o bispo abria alguma exceção para atendimentos superiores e excepcionais. Eram realmente casos de última instância. Lembro-me bem do problema apresentado pelo vizinho Silas Cando. No sufoco e não suportando mais o peso dos chifres, Silas procurou o bispo para tentar tirar um caboclo que não saia de cima de sua mulher. Era a especialidade de Mello Rego. Experimentado no enfrentamento de homo erectus advindos de entidades de matrizes africanas, o chefe da Igreja Presbicheriana assumiu o conflito como se quisesse se intrometer entre o caboclo e a jovem senhora, conhecida na redondeza apenas pelos sobrenomes: Deide Costa.
O corno não era um exemplo de marido, mas a vizinhança, etílica e festivamente ecumênica, não tolerava o fato de Silas Cando ser obrigado a dividir a patroa dia e noite com um sujeito oculto. Daí terem criado um mutirão regado a angu à baiana e muita cajuína para recorrer a Mello Rego, o poderoso chefão da arregaçante casa de fé. No meio do culto, foi uma luta insana e inglória para livrar a mulher do pererecamento com o caboclo Senta Pua. De posse de seu mágico cajado forjado no mais puro Pau Brasil, o bispo precisou agir com firmeza acima do necessário.
Ungido pela força do plenário e com o olhar firme no membro africano, deu várias cajadadas nas partes pudendas de dona Deide Costa até que Senta Pua subisse, como se diz no vernáculo do povo que normalmente usa um homem ou uma mulher como instrumento para se manifestar. Obviamente que, no caso em questão, tratava-se de um macho alfa dos bons. Para surpresa geral, o cavalo (nome dado a quem empresta o corpo para o baixamento de entidades) era conhecido de todos, particularmente de todas. Italiano de berço, carioca por opção e suburbano de sacanagem, Giuseppe Kadura era o sujeito oculto.
Descoberto, ele só não foi linchado pelos maridos do vizinho corno porque suas mulheres, com ajuda de Mello Rego, intercederam. Liderados pelo japonês Sujiro Kesuma, mestre da igreja budista do bairro, os chifrudos obrigaram Giuseppe a se homiziar com Mello Rego na sacristia da Igreja Presbicheriana, de onde só saíram 15 dias depois com ajuda do motorista do bispo, seu Fujiro na Kombi. Desconheço o fim dos dois. O que sei é que, sem o apoio de Tim Mello Rego, os maridos ficaram órfãos e o bairro acabou infestado de novos caboclos. Pastores nas horas vagas, três deles – Lucas Trado, Tomas Leite e Paulo Minozzo – até hoje fazem rondas diárias nas camas alheias. Tudo em nome da fé. Para evitar constrangimentos e perseguições, o trio sempre informa aos cornos que, durante a fornicação, Deus nunca os deixa sozinhos.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras