Paulo Virgílio
O Rio de Janeiro sempre teve em seu carnaval uma referência para outras capitais do país. Quando as escolas de samba cariocas ganharam dimensão e luxo, a partir dos anos 60, levando à construção do sambódromo, o modelo acabou sendo reproduzido, particularmente em São Paulo, inclusive com a importação de carnavalescos e outros profissionais do setor. Agora, o fenômeno se repete com relação ao carnaval de rua, que registrou aumento de 40% no número de blocos, nos últimos anos, na capital paulista.
No Rio de Janeiro, o vertiginoso crescimento dos blocos de rua nas últimas duas décadas significou na verdade a retomada de uma das tradições carnavalescas da cidade, que teve sua origem nos cordões do final do século 19. Cordões e blocos foram, durante muito tempo, termos que se confundiam: chama-se Cordão da Bola Preta o mais tradicional bloco do carnaval carioca, fundado em 1918.
Para o historiador Felipe Ferreira, professor do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), foi justamente no período que vai do final do século 19 ao início do século 20 que o carnaval do Rio se modelou, “a partir da brincadeira das ruas, com os corsos e as grandes sociedades, diversão mais ligada à elite, e o zé-pereira, bloco de sujo, os cordões e os ranchos, que eram as diversões mais populares”. Segundo Ferreira, o que hoje é chamado de bloco de rua na época era considerado o “pequeno carnaval”, em oposição ao “grande carnaval”, o dos bailes e dos corsos.
Também historiador do carnaval, Guilherme Guaral, professor da Universidade Veiga de Almeida (UVA), cita outros fatores, além da referência do carnaval carioca, para o crescimento dos blocos de rua em todo o país. Para ele, todos estariam relacionados ao atual contexto político e econômico.
“Acredito que a necessidade de exprimir o espírito de irreverência e crítica social num momento tão conturbado da nossa vida política é um dos fatores desse crescimento. O alto custo de participar ou assistir aos desfiles das escolas e dos preços nada populares dos bailes de clubes tem levado as pessoas a procurar diversão nas ruas de forma mais barata e democrática”, afirma Guaral, autor de dois livros sobre as escolas de samba do Rio.
Na medida em que vão ganhando maior divulgação da mídia a cada carnaval, os blocos acabam atraindo mais e mais foliões, propiciando o surgimento de outros, num processo que Felipe Ferreira define como de realimentação. Para Guilherme Guaral, o gigantismo exige uma logística cada vez maior e um esquema de segurança eficiente, principalmente em casos como o do Cordão da Bola Preta, que chega a juntar mais de 1 milhão de pessoas, mas isso não afeta a essência dos blocos.
“A marca desses blocos é a manutenção da música de carnaval, das marchinhas e dos bons sambas de enredo de outras décadas. Assim, acredito que a essência de um carnaval mais brincado e que permite a irreverência do espírito crítico e debochado do carnaval esteja mantida”, comenta.
Além do crescimento do número de blocos e de foliões, o carnaval de rua do Rio tem se caracterizado nos últimos anos pelo surgimento de grupos pautados pela diversidade musical e por propostas ligadas a questões de comportamento e cidadania. São exemplos o Sargento Pimenta, que toca em ritmo de carnaval o repertório dos Beatles, o Toca Rauuul!!!, dedicado ao rock-baião de Raul Seixas, e o Mulheres Rodadas, de crítica ao machismo.
Segundo o historiador, essa diversidade é positiva e reflete o espírito da cidade. “A cidade do Rio é cosmopolita e a pluralidade de estilos, estéticas e tendências artísticas faz parte de nossa identidade. A cidade permite essas experimentações que, a meu ver, são muito positivas”, diz.
Outra novidade recente são os chamados blocos não oficiais, ou seja, aqueles que não desfilam nos locais e horários acertados com a prefeitura, não têm patrocínio de marcas de cerveja e não seguem regra alguma, como o caso do Boi Tolo. Guaral considera essa tendência “transgressora” perfeitamente afinada com a história do carnaval da cidade.
“Essas iniciativas combinam muito com o espírito irreverente do carioca que, na maioria das vezes, prefere criar modos de diversão sem tanta “ordem”, ressalta o historiador. De acordo com ele, na maioria dos casos a ordem “mata o caráter autêntico do bloco em nome de uma ação organizada e, por isso mesmo, “sob o controle” do Poder Público”.
O crescimento dos blocos abertos a qualquer folião tem, no entanto, gerado uma contrapartida. Antes dessa expansão tinham muita força na cidade, além dos desfiles das escolas de samba, os chamados blocos de embalo, como o Cacique de Ramos e o Bafo da Onça. São blocos em que os integrantes desfilam todos com a mesma fantasia, cantando o mesmo samba. Neste último carnaval, a reportagem da Agência Brasil ouviu queixas desses blocos, que se consideram relegados a segundo plano.
Na opinião de Guilherme Guaral, agremiações carnavalescas que ficaram muito tempo dependentes do Poder Público precisam rever suas posturas. “Esses blocos sempre foram fortes, mas em tempo de crise é necessário criar outras estratégias para sua sobrevivência. A categoria bloco de embalo ficou sem espaço, assim como os blocos de enredo, que, a meu ver, desapareceram da festa oficial”. O historiador considera que é preciso encontrar novamente a relevância desses blocos e a interação em suas comunidades, além de buscar alternativas de patrocínio para que eles retornem com a força de décadas passadas.
Agência Brasil