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Bolívia copia Brasil e diz não ao golpismo amador

Os fantasmas dos arremedos de ditadores das histórias em quadrinhos continuam rondando as América do Sul e Central. Depois do Haiti, em 2004, e do Brasil, em janeiro de 2023, a bola da vez foi a vizinha Bolívia que, nessa quarta-feira (26) enfrentou e conteve o mais breve, estabanado e descarado golpe militar da região e do mundo. Além da imediata e corajosa reação do contestado presidente boliviano, Luis Arce, a boa notícia foi a participação incondicional da população local contra o general Juan José Zúñiga. Envolvido em uma série de esquemas ilegais, ele foi demitido e preso logo após a frustrada tentativa de tomada do poder.

Pode ser que a presença maciça dos bolivianos da capital nas ruas não signifique apoio a Luis Arce. No entanto, é cristalino o desejo de lutar pela democracia. Está claro que, tanto lá quanto cá, o povo está cansado da hipocrisia patriótica de grupelhos de militares, os quais servem à pátria com o único objetivo de servir dela. São aqueles que, velada ou declaradamente, representam e apoiam a extrema-direita, cujo compromisso democrático é inferior a zero. Para eles, o enterro da democracia começa com a defesa de projetos populares, todos absolutamente indesejáveis pelos setores dominantes, também denominados de elite medíocre, enfadonha, triste, perversa e nojenta. Daí a sucessiva sugestão de golpes.

Obviamente que as diferenças golpistas entre o Brasil e a Bolívia são abissais. Com o de quarta-feira, na Bolívia já foram mais de 100 golpes. Desde a Independência, em 1822, os brasileiros assistiram a “apenas” nove levantes bem-sucedidos e um de fracasso retumbante. Para os historiadores, conceitua-se um golpe de Estado quando há subversão da ordem institucional. E houve com a Noite da Agonia, em 1823; com o Golpe da Maioridade, em 1840; com a Proclamação da República, em 1889; com o Golpe de 3 de Novembro de 1891; com o curioso caso de Floriano Peixoto; e a Revolução de 1930.

A curiosidade no caso de Floriano Peixoto é que, como vice de Deodoro da Fonseca, que renunciou após a rebelião de 1891, ele teria de convocar novas eleições e não o fez. Os três últimos foram o Estado Novo, em 1937; a deposição de Getúlio Vargas, em 1945; e o levante militar de 1964. De péssima lembrança para a meia dúzia de articuladores, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu clã, o motim de 8 de janeiro de 2023 acabou com centenas de terroristas presos, a maioria já condenada.

Lamentavelmente, a bandidagem travestida de “patriotas” vandalizou e quebrou as sedes dos Três Poderes da República. Entretanto, com apoio irrestrito dos presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal, aliados ao respaldo de sérios e honrados militares do alto escalão das Forças Armadas, Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu manter a democracia intacta. Mais uma vez, os brasileiros responderam aos defensores da barbárie golpista que o Haiti não é aqui. Entre esses extremistas que sonham com o arbítrio e com a tirania, o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro de coisa alguma do tenente e atleta Jair Bolsonaro.

Eleito na esteira do bolsonarismo rasteiro, comemorou a bravura do general Juan José Zúñiga, comandante da fracassada tentativa de golpe na Bolívia. Em nota postada no X, antigo Twitter, ele disse que os “melancias” (militares) da Bolívia têm culhões. Considerando que a nota foi anterior à escorraça pública de Zúñiga por Luis Arce, podemos entender que os citados “cojones” dos “melancias” bolivianos devem ter ficado iguais aos dele: murchos, sem pele, sem casca e sem caroços. Os do deputado foram perdidos tão logo a boiada teve de ser novamente recolhida ao então cercadinho do Palácio da Alvorada. Para quem não sabe o que diz, o silêncio é sempre o melhor companheiro. Duvido que Salles consiga sobreviver ao passaralho da próxima eleição geral. Espero que não.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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