Herança maldita
Bolsolão enterra de vez discurso de probidade do mito de barro
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emA se confirmar as bombásticas afirmações do deputado federal Waldir Soares de Oliveira (PSL-GO) ao site The Intercept Brasil, está desfeito definitivamente o sonho dourado da falácia da honestidade. É o fim da esperança para aqueles que elegeram o capitão como símbolo de honestidade, probidade e luta sem fim contra a corrupção. Acabou o discurso da diferença entre esse e aquele mandatário. A entrevista de mais um parlamentar que rompe com o bolsonarismo escancara o engodo chamado Jair Messias Bolsonaro. Mais do que isso, coloca o presidente na vala comum dos chefes do Executivo que não conseguem governar sem pagar por votos no Congresso Nacional. O que seria diferente apenas mudou de nome.
O mensalão virou bolsolão após a informação de que o governo comprou a aprovação da reforma da Previdência e a eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) como presidente da Câmara. Vale lembrar que Lira, líder do Centrão, o grupo que Bolsonaro e o general Augusto Heleno esculhambaram na campanha presidencial, teve uma vitória esmagadora, recebendo, já no primeiro turno, votos de 302 dos 513 deputados. O segredo de tamanha desenvoltura foi revelado pelo deputado Waldir, também conhecido por Delegado Waldir. Incluindo ao denunciante, a cada “eleitor” de Lira, considerado primeiro-ministro do mito de barro, foi prometido um agrado de R$ 10 milhões em emendas do orçamento secreto. O “prêmio” para aprovação da reforma da Previdência foi apenas o dobro.
Sob o argumento da falta de transparência, o esquemão acabou barrado liminarmente por oito dos dez ministros com assento atualmente no Supremo Tribunal Federal. Claro que o deputado Waldir não é altruísta, tampouco abriu a boca porque acordou sonhando com Deus ou foi tocado pelos espíritos do Natal que se aproxima. A verdade é muito mais profunda e nada republicana. A denúncia ocorreu por conta de um crise partidária que acabou deixando o parlamentar goiano sem a bufunfa acertada e sem a liderança da sigla. No fim de 2019, foi destituído do comando da legenda pelo próprio Bolsonaro, que colocou o deputado Eduardo Bolsonaro, o filho 01, no lugar. Irreversível, a crise se agravou e culminou com a saída do presidente da República do partido.
De lá para cá, Bolsonaro tenta tomar de assalto uma legenda qualquer, desde que possa chamar de sua. Nesse período, também amargou uma série de derrotas internas e externas. A mais letal para suas pretensões de se reeleger foi o fracasso do golpe combinado para 7 de setembro passado. Não fosse a atuação conjunta de brasileiros assumidamente democratas, o Dia da Independência teria se transformado no dia da desgraça. Antes disso, vários bolsonaristas de primeira hora perceberam a esparrela em que estavam metidos e foram ficando pelo caminho. Os primeiros chutes no balde foram dados pelos deputados Joice Hasselmann e Alexandre Frota, pelo então presidente do PSL e ex-ministro Gustavo Bebianno e pelo senador Major Olímpio, esses dois últimos precocemente falecidos. Somente como detalhe, ambos tiveram mortes naturais.
Ainda é cedo para avaliar o desfecho da denúncia. De qualquer modo, na hipótese sacra da questão, o incendiário Delegado Waldir jogou muitos galões da gasolina de quase R$ 8,00 na já vulcânica fogueira de vaidade do mito de barro. Enquanto os votos não somem de vez, o Brasil está desgovernado. Quem teve alguns votos em 2018 e, portanto, teria a obrigação legal, política e moral de governar, subiu no telhado ou na árvore, sumiu, escafedeu-se. É o típico caso de quem adora o poder, mas odeia as responsabilidades do cargo. Pior ainda é mentir com absurda frequência e comumente brincar com a vida dos brasileiros, sejam eles seus eleitores ou não. Caminhamos celeremente para um buraco muito maior do que o da camada de ozônio.
O discurso de posse em janeiro de 2019 foi tenebroso, algo do tipo estou aqui para salvar o país e seu povo do inferno da esquerda. Passados dois anos e dez meses, a realidade é bem diferente. Os quintos, as trevas, as tormentas, os suplícios e os sofrimentos não tiveram as mãos ou os dedos da turba que se prepara para voltar. A verdade é que, independentemente que o eleito seja da primeira, segunda ou terceira vias, o futuro presidente da República saberá logo após receber a faixa (se isso ocorrer) exatamente o que é uma herança maldita. Se viver até lá (espero que sim), Delegado Waldir terá certeza de que a vida, inclusive a pública, não passa de um sopro. Os heróis viram vilão num piscar de olhos. Para sorte do povo, popularmente denominado de eleitor, o inverso também é verdadeiro. Tomara que a Floresta Amazônica ainda esteja viva em 2022.