Escancarando as fake
Bolsonaristas evitam prova de inviolabilidade da urna
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emA pouco menos de um ano da eleição presidencial de 2022, a semana foi marcada pelo início protocolar de um trabalho que o Tribunal Superior Eleitoral promove há pelo menos duas décadas e meia. Com a presença de todos os ministros da Corte e de presidentes ou representantes de 22 dos 33 partidos registrados na Justiça Eleitoral, o TSE começou o processo de “borrar” as fake news produzidas até agora pelo governo do cercadinho contra o sistema eletrônico de votação. Escancarar a sala-cofre do tribunal, local em que ficam armazenadas as urnas eletrônicas, e o compartimento onde serão abertos os códigos-fonte do processo não é apenas uma simbologia midiática do ministro Luiz Roberto Barroso, presidente do TSE.
Trata-se de uma obrigação constitucional e, nos dias atuais, a prova material de que mentira realmente tem pernas curtas. Termo grego para o povo que já começou a lustrar o título eleitoral, os códigos-fonte são um conjunto de linhas de programação do software das urnas, com as devidas instruções para seu funcionamento. Para despotencializar a mentirada oficial, eles já estão disponíveis para fiscalização. Até então, o TSE só permitia a abertura desses códigos a seis meses do dia da votação. É a lei de causa e efeito, princípio universal que significa que o acaso não existe. Para quem duvidou da inviolabilidade da máquina de votar, eis o ensejo para ter certeza de que, semântica, sintática e morfologicamente, o equipamento é impenetrável.
Muitos aproveitaram a abertura do TSE. Outros prefeririam se esconder no anonimato das fakes que deixaram de ser reconhecidas até pelos emojis do WhatsApp. Depois de meses usando o fracassado argumento de fraude no sistema eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro e seu grupo de apoiadores, incluindo os parlamentares que defenderam com unhas e dentes a derrotada PEC do voto impresso, perderam a grande chance de mostrar alguma humildade à população brasileira, notadamente aos cerca de 150 milhões de eleitores. Tiveram a oportunidade, mas, por absoluta falta de senso público, preferiram se omitir.
Entre as legendas com representação na Câmara e no Senado, duas ausências foram notadas no evento do TSE: o PTB, presidido pelo ex-deputado Roberto Jefferson, e o Patriota, sigla do senador Flávio Bolsonaro (RJ). Ambas são reboques da maria fumaça do bolsonarismo e fizeram coro à série de ataques infundados ao processo eletrônico. Ignorar o convite do TSE foi uma decisão deliberada dos bolsonaristas. Mais uma vez utilizando de sua animada inspiração para o despiciendo, Barroso deu o troco: “A gente não seduz quem não quer ser seduzido”. Justamente eles que tumultuaram o quanto puderam e, após desmascarados, fugiram do debate. Simples assim.
Como toda ação tem uma reação, abrir o tribunal e incluir um militar em comissão técnica avalizadora das urnas eletrônicas significaram o definitivo esvaziamento do discurso de golpe tendo como argumentação a fragilidade dos equipamentos. Para avivar memórias, lembro que julho e agosto passados foram usados por Bolsonaro e aliados para divulgação maciça de uma série de suspeitas sem provas de que as eleições de 2014 e 2018 foram fraudadas e que o sistema é vulnerável à manipulações. Lembro também que a intensidade dos ataques começou a diminuir quando a PEC do voto impresso foi fragorosamente derrotada na Câmara dos Deputados.
O fato concreto é que a capacidade de Jair Bolsonaro em mentir sobre a segurança da urna foi proporcional ao desejo do ministro Luiz Roberto Barroso em provar a assertiva de suas declarações ao Brasil e ao mundo. Ao outro lado, restou a certeza de que mentir é sempre a pior escolha. Afinal, quando o mentiroso é descoberto perde todos os créditos que ganhou em uma vida. Em outras palavras, uma mentira é a porta de saída que se fecha sem possibilidade de retorno. Não existe chave que abra uma confiança perdida. A do mito esvaiu-se no próprio conceito de mitologia, que é o estudo das lendas, o conjunto de fábulas.