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Bola fora

Bolsonaro aciona bomba-relógio do torneio da morte

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

Seja qual for o desfecho da milésima brincadeira de péssimo gosto do presidente da República, a maior paixão popular do brasileiro voltou a servir de manobra política, exatamente como faziam os militares no período mais negro da ditadura. Nessa época, Jair Bolsonaro ainda era um enrolado aprendiz de feiticeiro, mas já tinha entre os principais sonhos o de acabar com o país. Talvez dizimar a população de bem e que não aceita seus desmandos e suas sandices. Disputar um campeonato continental nas praças de uma nação que, por falta de vacina, já produziu 463 mil mortes não é apenas inconsequência ou desejo explícito de se esconder do óbvio. Trata-se de loucura, de um convite cristalino à matança em série e sob o manto verde e amarelo.

A se confirmar o torneio, o presidente deverá torcer para que os gritos de gol sufoquem os urros de dor dos que perderam e perderão entes queridos. Prova defuntória do chefe do governo federal, a Copa América (Cova América para alguns) demonstra o absoluto espírito político do mandatário brasileiro. Seu espírito esportivo é oportunista e só observado quando um clube de massa ganha título. Tudo a ver com o início dos anos 1970, época em que se determinava até mesmo o centroavante da Seleção Brasileira. Tempos que imaginávamos nunca mais viver. Mito dos que tratam o Brasil como um saco de batatas, Bolsonaro parece não se importar nem um pouco com o que ocorrerá com o povo. E não é de hoje.

Um líder que debochou do vírus, hesitou em comprar vacinas e ainda hoje “receita” medicamentos ineficazes não tem outro objetivo a não ser flertar diariamente com a morte. Lamento por aqueles que o elegeram com alguma expectativa, mas posições sensatas não são comuns a esse governo. Entre os nove países que se juntariam ao Brasil nessa empreitada suicida, alguns já rejeitaram a competição em nome da vida. Caso da Argentina, com números alarmantes de Covid-19 e ainda sem controle da pandemia. A Colômbia, sede natural, ficou fora por questões de segurança. Na verdade, nenhum governante que preza por seu eleitorado pensou em correr esse risco de consequências sobrenaturais.

Parte do DNA de 212 milhões de brasileiros, o futebol não pode ser usado como política negacionista, tampouco como nuvem de fumaça para tentar esconder os estragos já produzidos pela CPI da Covid. Com a terceira onda encostada na soleira da porta do país, uma Copa América nesse momento de incertezas seria muito mais do que um torneio de consolidação da amizade entre povos sul-americanos. Como disse conscientemente o comentarista esportivo Juca Kfoury, “seria um tapa na cara do Brasil e do brasileiro”. Com ou sem campeonato, o aval foi dado. A Conmenbol e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) receberam sinal verde do presidente da República para o encontro de nações na Terra Brasilis e ponto.

Em síntese, foi ligado o acionador da bomba-relógio. Tentar alterar a pauta da tragédia é apenas mais um capítulo lamentável e desumano protagonizado por um líder que imagina o Palácio do Planalto e os jardins do Alvorada como o quintal de sua casa, onde grita, xinga, destrata e agride quem não o obedece. Eleito para conduzir o país a porto seguro, ele usa esses locais para se dirigir a pessoas fanatizadas e, por isso, fáceis de serem convencidas de qualquer coisa, inclusive de ataques à vida. Embora o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirme que a maior parte da população estará vacinada até o fim do ano, a imunização tardia não apagará a macabra lista de 500 mil mortes por Covid que fatalmente atingiremos em poucos meses.

Torcendo para que o ministro finalmente acerte uma tacada vacinal, o que será da pequena parte que não será imunizada? Do percentual que sobrar, quantos sobreviverão? Enfim, o vírus não pode ser tratado com probabilidades, muto menos com remedinhos condenados pela ciência, mas adorados pelo gabinete paralelo. Precisamos de fatos e dados concretos. O povo está cansado de pessoas e de líderes que se movem pelas sombras. O país da bola precisa de muito mais. Uma Copa América não acrescentaria nada ao alentado currículo futebolístico do Brasil.

É verdade que estamos em baixa, mas desnecessário morrer mais milhares de torcedores para que consigamos alcançar outro patamar. Ocorrendo a competição, talvez alcancemos um título que jamais gostaríamos de ter em nossa prateleira de troféus: o de campeão de óbitos decorrentes da ausência de senso de um capitão que não sabe comandar “sua” seleção. Acho que a “erva” que está faltando para os manifestantes contrários ao governo está sobrando na cabeça dos que defendem o torneio da morte.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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