Jair Bolsonaro está na Suíça, no famoso e chiquérrimo Fórum de Davos. A pequena estação de esqui se torna o centro do mundo empresarial de altíssimo nível todos os anos no fim do mês de janeiro, desde 1971. Criada por um professor de economia do país alpino, a semana de seminários, reuniões e encontros junta endinheirados de todos os pontos do globo, que, com o passar dos anos, falam mais de política de que de economia.
É que há um consenso entre os participantes: são todos liberais, adeptos do menos estado e mais iniciativa privada. Jair Bolsonaro é a estrela entre os líderes políticos mundiais presentes ao evento. Porque sua eleição foi uma surpresa nos meios empresariais que não o conhecem. Porque a mídia internacional, particularmente a europeia, o apresentou como um bronco de extrema-direita nacionalista e ultraconservador. E também porque estarão ausentes Donald Trump, Vladimir Putin, Xi Ping, Theresa May e Emmanuel Macron. Cada um com um problema diferente em seu país.
Não é a primeira vez que o Brasil será a estrela da meca do liberalismo: o então presidente Lula, em 2003, esteve em Davos. E fez um discurso “de paz” para o mercado, garantindo que não atacaria o capitalismo, que respeitaria os contratos, que buscaria o equilíbrio econômico… Música para os ouvidos dos portadores de ternos Armani ou Hugo Boss sob medida, que respiraram aliviados. Afinal, o líder barbudo era considerado quase uma encarnação do Mal. Lula, anos depois, não pouparia o Fórum de suas críticas, responsabilizando essa “elite” pela crise de 2008, mas aí os contratos, concessões e investimentos já estavam feitos.
Jair Bolsonaro, num outro registro, também não chega com a priori positivo. Dono de PIB significativo, o Brasil despenca no ranking quando se trata de competitividade. Seu mercado ainda é muito fechado, 22% de sua riqueza provém do comércio internacional. Os investidores querem mais oportunidades, mais abertura, menos reserva de mercado. E mais estabilidade jurídica também.
A constante intervenção de um juiz Federal paulista na atual negociação entre Boeing e Embraer, por exemplo, representa um caso incompreensível para os davosianos. Acostumados com o sistema estadunidense, eles não entendem como um magistrado de primeira instância pode tomar decisões contrárias às das instâncias superiores. É para esclarecer este e outros “mistérios” que o presidente brasileiro levou a tiracolo seu ministro da Justiça, Sérgio Moro, que poderá explicar qual será seu entendimento sobre o cardápio de privatizações que a outra estrela da comitiva, o ministro da Economia Paulo Guedes, vai propor aos ávidos investidores.
Jair Bolsonaro, que pronunciará o primeiro discurso, fato inédito para um brasileiro na história do Fórum, também terá que pelo menos evocar o tema da reunião 2019: Globalização 4.0 – os desafios em torno da mudança climática e as ameaças que a tecnologia representa para a segurança e o emprego. Quase ausente do debate político na eleição 2018 no Brasil, o meio-ambiente é o assunto número 1 em particular na Europa.
Cada vez mais distanciado pelos norte-americanos e agora pelos chineses na tecnologia da informação e de dados, o velho continente espera voltar à vanguarda passando pelo verde. E se prepara para mudar de paradigma econômico: várias correntes políticas já evocam uma necessária atualização dos indicadores.
A eterna busca pelo crescimento está deixando uma legião cada vez maior de habitantes à margem da sociedade de consumo como se vivia nos anos 60 e 70. Comprar menos para viver melhor, um lema que está se alastrando. Mas que vai na contramão da política industrial mundial dos dois últimos séculos.
Davos não perdeu sua importância, mas bastante de seu brilho. A ostentação não faz mais sonhar como antes. A classe média empobrece enquanto os ultraricos parecem não ter limites para cima.
A ONG Oxfram, que publica anualmente um relatório sobre a distribuição da riqueza no mundo, indicou nesta segunda-feira, 21, que, em 2019, 26 pessoas físicas possuem o equivalente à metade mais pobre da população mundial, ou seja 3,8 bilhões de pessoas. Em 2016, eram 62 neste clube. A concentração não só não para como ela acelera. Mas isto não será tema de discussão na Suíça.