Luiz Henrique Mandetta não faz parte do círculo de amigos de Jair Bolsonaro. O ministro foi levado ao presidente, ainda na transição, por Ronaldo Caiado, governador de Goiás, como dono de perfil ideal para assumir a pasta da Saúde. Chegou sem firulas e foi ficando. Técnico, com jogo de cintura, parece estar vencendo seu maior desafio – o combate ao coronavírus. Mas pode ser nocauteado a qualquer momento, jogado que foi na frigideira pelo ‘gabinete do ódio’ instalado no Palácio do Planalto.
Mandetta faz, isso sim, parte de uma crescente lista de desafetos de Bolsonaro. O ministro, porém, não é bobo. Como médico, acompanha o paciente até a UTI, mas não entra no caixão do morto. É como advogado que defende criminoso até a última instância e que, vendo o cliente condenado à morte, não sobe no mesmo cadafalso.
O (ainda) ministro da Saúde entrou em rota de colisão com Bolsonaro por discordar do presidente. Coerente, mantém sua posição em defesa do isolamento social como única maneira de o Brasil sobreviver à Covid-19 sem maiores sequelas. Profissional que é da área, segue rigorosamente as orientações da Organização Mundial de Saúde.
Mandetta converge com a opinião das maiores lideranças mundiais. Aliás, o único líder na contramão desse tema é justamente o do Brasil.
Os últimos fatos sugerem que Bolsonaro e seus apoiadores de primeira hora, conhecidos vulgarmente como bolsominios, não aceitam quem discorda de suas opiniões ou maneira de ver o mundo. Não toleram ser contrariados. E quem deles pensa diferente, deixa a condição de amigo para virar inimigo.
Bolsonaro e seus seguidores, paradoxalmente, é crítico contumaz do que ele considera ditaduras, a exemplo de Cuba, Venezuela e, pasmem, China. Em contraponto, o grupo aplaude o regime militar que se instalou no País por um longo período após o golpe de 64.
Não são, portanto, contrários às ditaduras. São contra ao que chamam de comunismo, insistindo que houve (em 64) uma ameaça comunista no país. Um fato que nunca existiu. E a história está aí para provar.
Mandetta é parte de uma lista de 13 personalidades que, de amigos, viraram inimigos, e não simples adversários, de Bolsonaro. Treze. Coincidentemente, um número que o presidente detesta. E é por temer as estrelas que brilham no seu entorno, que o capitão, imaginando-se Sol, supõe erroneamente que todos eles não passam de Ícaros que terão as asas derretidas e sucumbirão em longa queda.
Entretanto, juntos, 12 desses 13 astros transformam-se em uma Galáxia, alertando que quanto maior a escada, maior é o tombo. Bebianno foi embora. Mas os que ficaram parecem ter energia suficiente para puxar tapete sujo, enrolar e jogar no lixo.
Veja a lista:
Bebianno
Então braço-direito de Jair Bolsonaro, o agora morto, desolado com a traição, Gustavo Bebianno, foi presidente nacional do PSL e responsável pela distribuição dos recursos do partido durante as eleições de 2018. “A distribuição era de dois tipos: territorial e por critério pessoal, quando você decide para que candidato vai o dinheiro. A minha participação era na distribuição territorial, além da função cuidar da chapa do presidente e vice-presidente”, chegou a dizer, sobre o laranjal que a legenda fez brotar..
Bivar
O presidente do PSL e Bolsonaro estão em crise há meses e a queda de braço dentro do partido continua intensa com suspensões e ameaças de expulsão. A gota d’água no relacionamento entre Bolsonaro e Luciano Bivar foi um vídeo em que o presidente da República aparecia afirmando que o deputado estava “queimado pra caramba”. A crise se aprofundou de tal forma que Bolsonaro se desfiliou do PSL e criou um partido próprio, o “Aliança pelo Brasil”.
Frota
Ex-ator pornô e eleito deputado por São Paulo, Alexandre Frota foi expulso do PSL em agosto, depois de criticar abertamente Bolsonaro nas redes sociais. O deputado era contra a nomeação de Eduardo, filho 03 do presidente, para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos e se absteve na votação do segundo turno da reforma da Previdência. Também trocou farpas com Olavo de Carvalho, “guru” do bolsonarismo. Depois de fazer parte da tropa de choque do presidente, Frota acabou entrando para o PSDB e hoje é um dos maiores críticos do governo.
Joice
A ex-líder do governo no Congresso, antes bolsonarista de carteirinha, Joice Hansselmann foi removida do cargo pelo presidente na crise que rachou o PSL. Ela apoiou o deputado Delegado Waldir (GO) como líder do partido na Câmara, enquanto Bolsonaro tentava dar ao filho Eduardo a liderança. Depois disso, Joice entrou em atrito direto com os filhos do presidente, acusando-os de conduzirem uma “milícia digital” para atacar opositores do governo.
Santos Cruz
Alvo da ala ideológica do governo, o general Santos Cruz recebeu inúmeras críticas de Olavo de Carvalho. Acabou demitido por “falta de alinhamento político-ideológico”. Também pesaram contra ele os problemas de articulação do Planalto com o Congresso, já que Santos Cruz era um dos responsáveis por essa função. O general foi demitido da Secretaria do Governo em 13 de junho. Ele teria sido uma das vítimas do “Gabinete do Ódio”, o ex-ministro evita fazer comentários sobre o governo ou o presidente. Santos Cruz foi convidado a participar de audiência pública na CPI das Fake News, no dia 26 de novembro, e classificou Olavo de Carvalho como “um vigarista profissional”.
Waldir
O Planalto articulou a queda do deputado Delegado Waldir da liderança do partido na Câmara para substituí-lo por Eduardo Bolsonaro. Waldir pertence ao grupo que apoia Luciano Bivar. Em meio à crise e da guerra de listas de apoio, Waldir decidiu deixar a liderança que foi assumida por Eduardo. Mas o filho do presidente foi enfim deposto do comando da legenda.
Witzel
Bolsonaro disse “minha vida virou um inferno após vitória de Witzel”, apesar de terem bandeiras parecidas. A crise em torno do caso Marielle implodiu a relação dos dois. Bolsonaro acusou o governador do Rio Wilson Witzel de conspirar contra ele, ao vazar informações para a matéria do Jornal Nacional, da Rede Globo, que cita o porteiro do condomínio onde o presidente e um suspeito moram. O presidente também acusa Witzel de estar de olho na presidência da República em 2022. A desavença começou em setembro.
Doria
Durante a campanha de 2018, o slogan “Bolsodoria” ajudou o governador de São Paulo a conquistar o cargo. A amizade não é a mais mesma desde a eleição, já que a competição entre João Doria e Bolsonaro já é por 2022. O presidente chegou a ameaçar transferir a Fórmula 1 de São Paulo para o Rio de Janeiro, mas isso foi antes de brigar com Wilson Witzel.
Marinho
Paulo Marinho é o empresário que ajudou a eleger Bolsonaro e agora pretende colocar Doria no Palácio do Planalto. É primeiro suplente de Flávio Bolsonaro, no Senado. O afastamento teria começado logo depois da eleição, em outubro de 2018. Marinho é o atual presidente do PSDB do Rio de Janeiro. “Está faltando gratidão ao governo do capitão”, disse Marinho em entrevista à Época. Ele criticou também a influência negativa dos filhos do presidente no governo.
Olímpio
Líder do PSL no Senado, Major Olímpio afirma que não tem nada contra Jair Bolsonaro. A crise neste caso foi causada principalmente pelo atrito com os filhos do presidente. Carlos Bolsonaro chamou Olímpio de “bobo da corte”, que respondeu pedindo a Bolsonaro para internar o filho numa clínica psiquiátrica e durante a pandemia disse: “…Ser aliado é diferente de ser alienado…”.”
Mandetta
Esse, sem comentários. Os fatos explicam por si só.
Caiado
O governador de Goiás, ortopedista como Mandetta e ‘médico de plantão’ dos colegas senadores quando ainda exercia mandato no Congresso Nacional, fez cara feia para o presidente quando Bolsonaro se opôs à política do seu pupilo de combate ao novo coronavírus. Governador geograficamente mais peto do Planalto (Brasília não conta, porque não é Estado) Ronaldo Caiado virou inimigo a tal ponto que não quer ver o presidente cruzando a divisa entre as duas unidades da Federação.
Vereza
O global Carlos Vereza foi às ruas, às redes sociais e aos programas eleitorais para defender a eleição de Bolsonaro. Hoje o ator diz que não é palhaço. Que leva a Covid-19 a sério e que Bolsonaro, alienado, precisa de alguém para ajustar os parafusos soltos na cabeça dele.