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No mato sem cachorro

Bolsonaro empurra Brasil ao passado, mas o futuro é o caminho

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Autor/Imagem:
Marina Amaral/Via Agência Pública - Jornalismo Investigativo

Na virada de 2018 para 2019, um voto de ano novo se tornou popular nas redes sociais: “Bem vindo a 1964!”. A ironia se referia à posse do ex-capitão Jair Bolsonaro no primeiro dia de 2019, trazendo consigo os valores retrógrados de golpistas civis e militares de 50 anos atrás.

Desde então, começando pelo autoritarismo político, o retrocesso se espraia pela vida nacional, atingindo os direitos de todos os que não pertencem à casta dos homens brancos conservadores e suas famílias religiosas e abastadas. Mulheres, negros, indígenas, pessoas LGBTQIA+, trabalhadores, agricultores familiares, ambientalistas e movimentos sociais se viram espionados, excluídos, agredidos, destituídos de posses e direitos, enquanto o presidente trabalhava pela censura às universidades e à imprensa – sobretudo de forma misógina, no ataque às jornalistas mulheres, além da inquisição policial de professores, cientistas e juristas.

Em certo sentido, Bolsonaro tem ido além dos presidentes militares, associando-se publicamente ao crime, o que seus inspiradores evitaram, escondendo suas câmaras de tortura e ligações com esquadrões da morte. Das declarações e medalhas que homenageiam milicianos notórios – e comprometedores laços pessoais – ao apoio a madeireiros e garimpeiros ilegais, certos criminosos são os favoritos do presidente, que desautorizou e desmontou todos os órgãos de fiscalização ambiental e a rede de proteção social, assenhoreando-se também da Polícia Federal e da PGR.

Com a parceria do Centrão do agora ministro Ciro Nogueira, a quem condecorou no dia 4 passado com a Medalha de Mérito Oswaldo Cruz, Bolsonaro premia agora os especuladores de terra com a aprovação do PL da Grilagem na Câmara, que substituiu uma medida provisória de sua lavra, ainda mais radical. Se aprovado no Senado, o PL transformará em alvo os que têm suas terras invadidas e que dela sobrevivem (a relação entre grilagem e violência está demonstrada na animação da Agência Pública publicada nesta semana com participação especial do escritor Itamar Vieira Jr).

Não é a primeira vez que os invasores de terra saem no lucro com apoio do Executivo e do Congresso. O processo de anistia aos grileiros é recorrente a ponto de o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, declarar, em um debate sobre a Amazônia promovido pelo Valor Econômico em abril, que a “reiterada possibilidade de regularização de terras griladas é o problema mais importante no plano jurídico para combater a violência e o desmatamento na Amazônia”. O PL da Grilagem reforça essa tendência, ampliando a possibilidade de titulação em terras públicas por autodeclaração, “sem checar se os danos ambientais que causaram foram recuperados”, como destacou a advogada Juliana Paula Batista, do ISA. “É um cheque em branco e um incentivo à criminalidade”, definiu.

Em um momento em que o mundo reconhece por fim a urgência da questão climática e encara o desafio de reduzir pelo menos 50% das emissões de carbono até 2030, o governo Bolsonaro nos prende no passado, e não apenas pela defesa extemporânea e calculada do voto impresso. Como disse a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o desmatamento turva nossa imagem e tumultua nosso futuro, aquele que cientistas, sociedade civil e populações tradicionais podemos construir juntos: um Brasil que aproveita o conhecimento e os recursos da floresta para semear prosperidade e bem estar para todas as formas de vida e garantir a integridade do planeta para as novas gerações. É também em nome desse futuro, além das milhares de vítimas da pandemia e da violência, que temos que remover Bolsonaro do poder.

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