Em meio à fumaça dos jipes na Esplanada, não foram poucos os analistas e jornalistas de política que decretaram o fim de Bolsonaro por causa da rejeição da PEC do voto impresso pela Câmara dos Deputados. O uso do aparato bélico das Forças Armadas para intimidar os parlamentares teria se chocado com a força das instituições nacionais e jogado Jair Bolsonaro e os tanques do Exército no ridículo, como escreveu o The Guardian.
“Os críticos denunciaram a decisão ao estilo da república das bananas de Jair Bolsonaro de enviar tanques às ruas da capital do Brasil para um raro desfile militar no que foi amplamente visto como uma tentativa desastrada de um presidente sitiado de projetar força”, repercutiu o jornal britânico.
Visto de perto, porém, o desfile de carros de combate pelo centro do poder em Brasília, ainda que com os vexames que fizeram a alegria da Internet, parece ser bem mais do que ridículo. Bolsonaro também não aparenta estar “sitiado”, como qualificou o Guardian.
Os apelos claramente abusivos do presidente às Forças Armadas até o momento foram correspondidos – e o argumento da hierarquia é pouco para quem tem como missão defender o Estado brasileiro. Até porque as intenções do mandatário são publicamente expressas em declarações golpistas como “sair das 4 linhas da Constituição” ou “não haverá eleições”. E coincidem com a exposição da corrupção de membros do Exército e da Aeronáutica na CPI da Covid. Por que os comandantes simplesmente não se negam a cumprir ordens que subvertem seu papel constitucional?
A reação do Congresso também foi pífia. Mesmo que a PEC não tenha sido aprovada, 229 parlamentares se sentiram à vontade, cercados por tanques, para votar a favor da emenda. Um resultado comemorado por Bolsonaro. Não foi o bastante para vencer, mas é munição suficiente para ele semear a confusão e a mentira, ameaçando as futuras eleições. Foi esse o serviço que lhe prestou o presidente da Câmara, Arthur Lira, já sentado sobre mais de 130 pedidos de impeachment: avocar para o plenário uma matéria já rejeitada pela comissão especial com objetivo de mostrar que, apesar da previsível derrota, Bolsonaro e sua trupe não são os únicos a questionar a lisura do processo eleitoral.
Se isso não basta para convencer que, assim como as mudanças climáticas, o golpe contra a democracia já está entre nós, é só olhar para o que fez a combativa Câmara nesta semana, além do papel de coadjuvante no espetáculo bolsonarista. Na terça-feira, foi aprovado o texto-base da MP 1045 que, além de perpetuar a retirada de direitos trabalhistas, traz bombas-relógio como a redução da fiscalização das normas trabalhistas e a precarização radical do trabalho dos jovens. No mesmo dia, o ministro da Educação declarou que “universidade deveria ser para poucos” e que a solução para o ensino básico, que em 2020 terminou o ano com o menor gasto da década, é os alunos voltarem a repetir o ano. Isso no ano em que a pandemia, patrocinada pelo governo, privou milhões de alunos de assistirem aulas, mesmo virtuais, por falta de acesso à Internet.
Se continuarmos confiando em nossa “democracia”, não precisaremos de outra ditadura para destruir o que sobra do país.