Muito mais do que histórica, a imperfeição da política brasileira é endêmica. E isso ocorre desde os tempos do Império. A diferença é que hoje estamos cada vez mais próximos de um agressivo carcinoma. Do mesmo modo que nasce com o surgimento de cada novo presidente, a esperança morre antes que o eleito consiga dobrar a primeira esquina do mandato. Isso quando não são jubilados antes de completar metade do curso. O modus operandis virou uma desoladora rotina, uma repetitiva assimetria. Difícil até dizer que um é pior do que o outro porque, desde a campanha, é fácil descobrir a paridade de linhagem ou de conduta entre o outro e o um. Como já disse neste mesmo espaço, são farinha do mesmo saco, grão do mesmo sabugo. Se é que existe alguma analogia ou parecência, o eleitor finge não perceber. Tanto que, independentemente do que lê, ouve ou vê, os elege reiteradas vezes.
Os feitos e os discursos mais ou menos encorpados é que fazem volume e, em alguns casos, ajudam a fazer a cabeça dos indiferentes, dos desavisados, sobretudo dos fanatizados. Aí surgem os salvadores da pátria, doutrinadores, ilusionistas, gurus, encantadores de serpentes, patriotas, anjos e mitos. Nenhum deles jamais se apresentou como vilão. São todos acima de qualquer suspeita, potencialmente honestos, íntegros, símbolos do que há de melhor na vida pública. Bastam alguns meses para que o povão encontre as explicações escondidas ao longo da enganosa cruzada eleitoral e rapidamente consiga deslindar o que representou seu voto. Comprou gato por lebre. O leão da Metro era mais uma das lendas urbanas, dessas que não deveríamos acreditar enquanto vida tivéssemos.
Embora todos saibam que a história brasileira normalmente vira poesia e se transforma de acordo com a imaginação popular, os lendários corretos, bons e honestos políticos são fictícios, mas continuam entre nós. Mesmo que nada façam que nos dê alegria ou prazer de votar, dão as cartas e nos cobram fidelidade partidária sem pudor algum. E com doses ainda menores de pudor, rompem raivosamente ao primeiro sinal de dissidência do grupo que imagina sob seu eterno comando. Os resultados políticos dos últimos inquilinos do Palácio do Planalto são a prova de que vimos malhando em ferro frio. As cores e ideologias partidárias foram diversificadas. E o que mudou de fato? O que está consolidado?
É verdade que tivemos quatro ou cinco anos de relativa bonança financeira e cerca de três décadas de uma assustadoramente tranquila democracia. Nada perenizado. Após um caçador de marajás, um plano econômico de sucesso, alguns avanços tecnológicos, respeito internacional, incômodas marolinhas, mensalões, petrolões e dois impeachments, voltamos às origens. Novamente somos conhecidos como República de Bananas, idolatrada por meia dúzia porque é assim que enganam incautos, dizimam indígenas, desmatam florestas, torturam negros e pobres e rotulam, prendem e matam quem reza por cartilhas diferentes. Para uns e para outros, 2022 será um ano de muitos desafios.
O principal deles certamente será eleger um presidente que devolva a auto estima de quem quer tirá-la do ralo e, principalmente, que recoloque a economia nos eixos. A tarefa é das mais complicadas, talvez inglória. A quadra vivida mostra que não será um mito qualquer que nos devolverá a paz, a saúde, a educação, muito menos o orgulho de ser brasileiro e a reverência e a cortesia que perdemos do restante mundo. Resumindo toda essa ladainha, esses últimos dois anos e 11 meses demonstraram de forma cristalina que o Brasil não é para amadores ou aventureiros, tampouco para aqueles que insistem em virar as costas para o mundo. Governa na contramão do planeta, como se somente ele estivesse certo. No entanto, os fatos, sobretudo as mortes decorrentes da pandemia, mostram que ele é o único errado.