Responsável pelos momentos mais críticos de tensão político-institucional desde que, em meados de 2017, se lançou como um dos postulantes à Presidência da República, Jair Bolsonaro parece estar sempre disposto a tensionar qualquer ambiente. Normalmente com níveis de inquietação e de estresse acima do tolerável, ele hoje é candidato à reeleição e, numa situação de desespero, decidiu pelo vai ou racha. Para sustentar o espichamento da corda dos devaneios, resolveu manter o sarrafo bem acima do que pode alcançar. Em determinadas aparições, insinuando estar mudado, chegou a afirmar que aceitaria o resultado das eleições. Em seguida, após supostamente esquecer a dose cavalar de Rivotril, recuou e disse em rede nacional que quis dizer que só aceitará se as eleições forem limpas.
Aparentemente ainda em estado de dormência mental deliberada, o protagonista desta narrativa parece esquecer que somente ele, antagonista solo das urnas eletrônicas, torce por um pleito sujo. E, na sua vã filosofia de militar sem estrela, está claro que, mantida a desculpa, o que verdadeiramente não admitirá é a derrota. Paredes e ralos do Planalto sabem que reeleição e poder são seus únicos objetivos desde o início da campanha de 2018. O desejo cresceu com a vitória e atingiu as raias da loucura em 1º de janeiro de 2019, dia da posse como mito. Por isso, não é de se estranhar o estado de estranhamento de sua excelência. Afinal, mesmo nas poesias de cordel, o ameaçador sinal de perda de poder faz todo rei enlouquecer.
Ora, até um menino de cinco anos sabe que claudicar desse jeito não é comum em autoridades sérias. Ou se confia ou não se confia no terreno em que se está pisando. No caso em questão, a desconfiança é uma necessidade. Trata-se de um atalho para a busca de argumentos capazes de justificar junto aos fanáticos apoiadores uma eventual derrota. Em síntese, ou se prende a ela (a desconfiança) ou terá de amargar o encerramento de uma carreira prematura como enviado de Deus para salvar o Brasil da ladroagem, da corrupção, da milícia, das idas e vindas jurídicas dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral e, principalmente, da má conduta dos congressistas, principalmente daqueles vinculados ao Centrão.
O medo de engrossar a lista aberta por Fernando Collor (que saiu pela porta dos fundos) e encerrada por Michel Temer (não tinha votos para tentar a permanência) é óbvio. Refiro-me ao risco de ser o segundo presidente do período pós-redemocratização a não se reeleger. Agradável até para os ucranianos que conseguiram se salvar da sanha de Vladimir Putin, a hipótese logicamente incomoda a ele, à família, ao seu entorno e muito mais aos enlouquecidos defensores do quanto pior melhor. Estes, além da referência, perderão a base da destilação do ódio, da força como forma de poder e do ranço antidemocrático. Em última análise, como vestibulandos da tirania, ficariam órfãos do líder que sequer liderou.
Os deuses têm dado a Jair Messias todas as chances de se redimir das infundadas críticas às instituições brasileiras e de trabalhar pelo distensionamento político do país. Ao que parece, nem eles (os encastelados deuses do Olimpo) estão logrando êxito nessa tentativa de mudar o imutável. Quando os céus indicam que os deuses darão novo rumo ao modus operandi do tenente presidente, lá vem o capetão e, mais uma vez, reaviva as minhocas que fazem morada na cabeça do homi que há dias jurou aceitar o resultado das eleições de outubro. O “juramento” foi ouvido pelo Brasil e pelo mundo. Chegaram a comemorar o fim da possibilidade de golpe. Certo? Errado. Não há dúvidas sobre a obrigação dele aceitar a contagem de votos. Me arrisco a dizer que a expectativa ainda está bem longe da realidade.
Enfim, o erro está no sono tranquilo daqueles que dormem sem medo. Sabemos todos que, em qualquer lugar do planeta Terra, uma eleição presidencial transforma-se rapidamente em batalha campal quando o objetivo pessoal ultrapassa o coletivo. Aí, independentemente do nível cultural e do berço social, o homem passa a ter convicções mais animalescas do que o próprio ser irracional. Seja nos Estados Unidos, na Rússia, na China, Coreia do Norte ou em Honolulu, o poder seduz, mata e corrompe. Embora também saibamos que toda forma de poder deveria ser usada para salvar e qualificar vidas, no Brasil alguns ainda acham que o grito deve ser mais eloquente do que o afago. Enfrentamos, talvez, o pior dos cenários. Por aqui, o homem público sem ideias se entrega à conveniência de exercer o poder a qualquer preço.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978