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Rei de mentirinha

Bolsonaro reina apenas para fãs da pavulagem

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

O carnaval de 2021 não começou, mas já acabou. Antes de virar finado, transformar-se em cinzas e ser esquecida, a folia fez muita gente sonhar com um rei para dar leão. Todavia, deu zebra, o leão não rugiu e acabou pavão. Pura questão de semântica, mas tudo a ver com o Brasil de hoje. O presidente da República foi eleito por poucos eleitores – a maioria era fã – para reinar, mas não rugiu. Virou apenas ídolo (ou mito). O que ele faz – e bem – é escolher holofotes, dividir o povo, se lixar para a democracia, apoiar déspotas e ardilosos (como, pela ordem, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e o general Eduardo Villas Bôas), intimidar instituições, xingar jornalistas, mentir para o eleitorado – o rebanho fecha os olhos para as mentiras -, não aceitar o contraditório e defender ditadores.

Ou seja, é um rei que não reina. Limita-se a gritar com os súditos que não aceitam mais a pavulavem presidencial e a afagar os que, por absoluta ignorância, insistem em defender os ratos, cobras e lagartos dos porões da ditadura. É nessa legião de fanáticos que o capitão se apoia e credita sua permanência no Planalto a partir de 2022. Um deles, o deputado Daniel Silveira, representante do gabinete do ódio, foi preso na noite dessa terça-feira (16) por apologia ao AI-5, instrumento mais duro da ditadura, e por pregar a destituição e agressão aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Abro um parêntese para defender o presidente. Apesar do conhecido e reprovável passado belicoso, temos de louvar Jair Bolsonaro, que nunca teve coragem de “peitar” os integrantes do STF.

Mais ídolo do que fã do capitão, o general da reserva Villas Bôas, ex-comandante do Exército, perdeu a oportunidade de ficar calado. Pelo menos sobre o confessado propósito: emparedar o Supremo no julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Emparedados ou não, a maioria dos ministros da instância máxima do Judiciário negou o HC, levando Lula à prisão por 580 dias na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Paralelamente ao que esse povo entende como política, 9.921.981 brasileiros já foram infectados pela Covid-19, dos quais 240.940 evoluíram a óbito. De acordo com informações das secretarias de Saúde, 8.847.264 estão recuperados. Bandeira diária dos bolsonaristas mais fanáticos, a exclusão desses dados é algo análogo às coisas demoníacas. Se faz bem a quem reclama, eles estão salvos. Graças a Deus.

A preocupação interpretativa das palavras e frases deveria ser outra, mas não devemos esconder a positividade desses números. Mais uma questão de semântica. Por exemplo, porque os seguidores do rebanhão reagem quando se divulga que, dois meses após o confisco das vacinas do governador João Dória, o governo federal ainda não conseguiu vacinar 3% dos brasileiros? Por que se calam? Por que têm medo quando a imprensa canalha revela que está faltando imunizantes no Brasil? É um dever dos jornalistas informar e um direito do povo ser informado. Façam a coisa certa e terão divulgação correta.

Não é relevante, muito menos alvissareiro, achar bonitinho as coisas terríveis protagonizadas pelo chefe do Executivo, alguns de seus ministros, parlamentares e lunáticos descompensados, que, contrariando todos os conselhos de médicos, infectologistas e cientistas, insistem em defender ou produzir aglomerações. É esse o Brasil que queremos? Logicamente que não. Independentemente de suas posições ideológicas, não é crível assistir a um militar de alta patente afirmar publicamente que pretendia intervir caso o STF concedesse a Lula, em abril de 2018, o habeas corpus. O comportamento do general movimentou os quartéis, assanhou militantes nas redes sociais e catalisou manifestações favoráveis ao presidente Bolsonaro.

A forma como se governa hoje é muito clara: bons e dignos de brasilidade são os ideológicos extremados. Para os que usam a sensatez, a tolerância e a lógica na solução de imbróglios políticos sobram a forca e a masmorra. Simples assim. A saída talvez seja o capitão perceber que ditadura e ditadores são figuras ultrapassadas. No caso específico, o presidente tem de entender que é do ser humano errar diariamente. Também deve ser informado sobre a coerência de reconhecer e evitar novos erros. Odiar e ignorar corriqueiramente a quem não lhe é simpático não é de bom alvitre físico, emocional, espiritual ou político.

O Brasil é uma nação de diferenças gritantes. A um governante cabe governar e não tentar doutrinar. Como homem público, não é da competência de um mandatário resolver problemas ou defender posições de pessoas. O carnaval acabou, presidente. Tire a fantasia de ditador, deixe de pavulagem, calce as sandálias da humildade, pense na sociedade como a totalidade de seu rebanho, deixe de lado a costumeira e desmedida irritação, governe e, se for aprovado, consiga um novo mandato. Não faça dele sua única obra. Construa, não desconstrua. Não esqueça que a gripezinha chegou no Brasil exatamente em uma terça-feira de carnaval. Pregue a vacina e não a morte.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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