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O povo que se exploda

Bolsonaro vira Justo Veríssimo na disputa pela Câmara

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

Desde o século passado, quando ingressei na faculdade de jornalismo, aprendi, já no primeiro dia de aula, que não se deve começar qualquer texto com negativas. No Brasil de hoje, onde se nega até a vida, acho pouco provável que professores mantenham esse discurso. Negando todas as propostas e promessas de campanha, o presidente Jair Messias Bolsonaro parece habitar outro planeta, governar uma nação do mundo da lua e imaginar um país para chamar de seu com uma população cada vez menor. Com certeza, a maior parte já o abandonou e embarcou na nave do ódio que tanto pregou. A diferença é que, agora, ele é o alvo de previsões odiosas, de arrependimentos seguidos de adjetivos impublicáveis, a começar pelo local onde deve ser depositado o leite condensado.

Pior de todos os seus pecados capitais, desde fevereiro de 2020, quando afirmou que a Covid-19 era apenas uma “gripezinha” e que normal que muitos brasileiros viessem a óbito, Bolsonaro trata o vírus como mais um de seus adversários. Desdenhou da doença, fez e faz pouco caso das mortes e esperou governos estaduais definirem a compra de imunizantes para forjar cenas de governante atento e de ser humano preocupado com o semelhante. Os fakes tentam confirmá-lo como bom homem, mas, felizmente, os fatos comprovam sua vocação contrária ao bem estar do povo.

Seus gestos, ações, palavreados e canetadas lembram a essência de Justo Veríssimo, personagem criado pelo saudoso Chico Anysio, que deu vida a um político inescrupuloso, corrupto e com horror a pobre. Tudo a ver com o que tínhamos no passado e temos de baciada no presente. A eleição de hoje na Câmara e no Senado é a afirmação mais verdadeira do que tenho ouvido sobre o chefe do Executivo federal e “seus” congressistas. Não quero desmerecer a presidência das duas casas do Congresso Nacional. Elas são fundamentais para o processo democrático, desde que presididas com pluralidade partidária e voltadas essencialmente para o bem da sociedade.

O que lamento é a absoluta interferência do líder máximo do país no pleito, a ponto de esquecer que, além do desemprego e da fome de milhares de pessoas, o Brasil já contabiliza 9.204.731 casos de Covid-19, com 224.504 mortes. Parece muito pouco para quem preferiu dividir o Congresso – como tentou com o eleitorado -, impor nomes de sua simpatia e sob seu comando para presidir Câmara e Senado e, mais adiante, pagar a fatura de milhões de reais para manipular, com leveza e desenvoltura, a pauta de votações. O objetivo? A reeleição e, se possível, o trono perpétuo do poder. O povo? Que se exploda, como diria Justo Veríssimo.

Pior ainda são as escolhas. Entendo que faltam nomes confiáveis para as cadeiras que já foram ocupadas por parlamentares não menos questionáveis, mas robustos politicamente, respeitados em suas bases e reconhecidos nacionalmente como pessoas capazes de “peitar” presidentes da República, ainda que, para isso, se aliassem a lideranças com antecedentes desabonadores. Lamentavelmente, faz parte do jogo. Lembro de um político que chegou ao Congresso e ao Planalto com um discurso contra 300 picaretas. Foi constituinte, mas não incluiu sequer uma vírgula na Carta de 1988. Para governar com tranquilidade, na primeira oportunidade encomendou litros de óleo de peroba e, sem constrangimentos, se aliou aos picaretas que chegou a combater.

Passados alguns anos, o fato se repete. A diferença é que esse rotulou aquele de algo pior do que estrume político. Discursou como se fosse a última bala do pacote, jurou distância dos vendilhões e do joguinho negociador do Centrão e prometeu honestidade, coerência, conhecimento e preparo para o cargo a que se propunha. Eleito, virou as costas para o povo, desmemoriou-se, começou desqualificando instituições e adversários e terminou jogando na mesma lata de leite condensado artistas sem público, políticos com folha corrida e seguidores sem classe e com avidez ainda maior que os antecessores por uma boquinha.

É a nova velha política. Candidato à presidência da Câmara e novo amigo do bolsonarismo, Arthur Lira (PP-AL) foi um dos parlamentares mais atacados pelo rebanho ensandecido do início do governo. Hoje, é exemplo de seriedade, honradez, probidade e pureza no trato da coisa pública. Só que não. Basta contatar meia dúzia de russos alagoanos para conhecê-lo. Deixando de lado os adjetivos desonrosos, devemos nos ater ao que ele já fez por Alagoas. Nada, responde a maioria que o ignora, a ponto de tratá-lo como membro “pobre” da família Lira. O segmento rico tem o y no lugar do i, atende por João Lyra e Tereza Lyra Halbreich, ex-Collor de Mello, e responde por numerosas indústrias do setor sucroalcooleiro.

Voltemos à eleição. Que ganhe quem receber mais. Rodrigo Maia (DEM-RJ) entregou a rapadura, mas ainda está logo ali. Aprendeu com o pai, o vereador carioca César Maia, que vingança é um prato que se come frio. Uma Constituição escrita para ser parlamentarista é o trampolim para consolidação desse ditado. Além de paciência, são necessárias apenas apetência e competência para colocar o presidente e seus ministros no devido lugar. Bolsonaro sabe disso. Por isso, o investimento em Arthur Lira. Para justificar o recuo na recriação dos ministérios da Cultura, Esporte e Pesca, Jair Messias não disse, mas deve ter lembrado de um dos mais célebres bordões de Justo Veríssimo: “Rico não precisa de ministérios, precisa de shopping center”.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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