Bola ou bulica
Bolsonaro vira noivo que sai na noite de núpcias e volta com batom na cueca
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Fundamental para a defesa e a efetivação dos princípios democráticos, o Poder Judiciário tem por função, além de resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado, garantir os direitos individuais, coletivos e sociais. Ainda estamos longe da perfeição jurídica, mas já avançamos bastante. Causada basicamente pela facilidade de recursos, pelo excesso de firulas, floreios e rapapés, a lentidão é uma das principais mazelas do Judiciário brasileiro. Para alguns, a Justiça dos homens não tarda e nem falha porque ela não acontece. Para a maioria, porém, ela tarda para falhar. Lenta ou não, na Justiça há os que perdem e os que ganham. Por isso, ela é amada por 50% dos demandantes e odiado pelos 50% restantes. Enfim, a Justiça é uma caixinha de surpresa em todo o mundo, particularmente no Brasil.
Em uma rápida consulta aos pais de santo mais afamados, tudo indica que a Primeira Turma do STF não surpreenderá ninguém nos próximos dias 25 e 26, datas confirmadas para o julgamento da denúncia da Procuradoria-Geral contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Se ela for aceita, Bolsonaro e outros sete denunciados pela frustrada tentativa de golpe se tornarão réus, incluindo os generais Braga Netto e Augusto Heleno. Nem mesmo os advogados mais experientes imaginam resultado diferente do acolhimento da denúncia. Tudo bem que direito é interpretação, mas, em casos de conduta golpista, não há o que questionar. É batom na cueca e melado no cangote, o que não permite hesitação de julgadores, tampouco insinuação de falhas ou omissões processuais.
Me lembro bem da história de um advogado que atuava simultaneamente em três dos cinco tribunais superiores. Profundo conhecedor das entranhas dos colegiados e craque na descoberta de lacunas nos relatórios e votos dos ministros, ele ganhou várias disputas jurídicas antes de adoecer. Doente terminal, ele pede a um dos colegas do famoso escritório para que levasse até seu leito de morte uma Bíblia. Vendo que o moribundo causídico lia avidamente o livro sagrado, todos se surpreendem com a conversão do chefe. Intrigado, um dos presentes quis saber a razão de tão rápida mudança. Morrediço, mas lúcido, o advogado responde sem olhar para os presentes: “Estou à procura de falhas na lei de Deus”. É claro que não encontrou.
Para os mortais, o comum é imaginar juízes, desembargadores e ministros de tribunais como senhores acima de qualquer suspeita, inatingíveis, imortais e deuses de toga. Não são. Mesmo com a outorga de superpoderosos, todos são pessoas como qualquer um de nós. Às vezes, muito piores. Todos que serão julgados dias 25 e 26 deram mostras de que precisam aprender a conviver com dissabores, principalmente com derrotas. Como ganhar e perder faz parte do jogo, às vezes é necessário ser informado que tão importante quanto saber ganhar é saber perder. Sem entrar no mérito dos valores pessoais, o fato é que magistrados não são deuses, tampouco profetas. Tanto isso é verdade que, ainda que não gostem, ministros da mais alta corte da Justiça brasileira normalmente são chamados para julgar conflitos individuais que vão de canelada na sogra à reclamação de misses.
Em muitas situações, o juiz tem de rir para não chorar ou então chorar de tanto rir. É comum a demanda de casos e causos pitorescos que surgem no Judiciário nacional e ajudam a lotar a pauta do Supremo Tribunal Federal. Entre os conflitos individuais, um dos que mais chamou a atenção do grande público foi um recurso de um servidor público acusado de atirar em um papagaio, de envenenar uma cadela prenha, de demarcar a rua como se fosse do departamento de trânsito e de depredar carros que não estavam estacionados de acordo com normas por ele estabelecidas. Na extensa lista de processos estranhos à Corte Suprema também há processos como o da comerciante que deu umas vassouradas no vizinho, o do empregado de uma fábrica no interior de São Paulo demitido por justa causa, porque seus gases incomodavam os colegas de trabalho, e o de uma esposa do Amapá que pediu a anulação de seu casamento com um argumento pra lá de inusitado: o tamanho do pênis do marido.
Sem graça alguma, no julgamento de Bolsonaro a única alternativa impossível é a do empate. A probabilidade de vitória é proporcional à vitória Dilma Rousseff em 2026. A expectativa de boa parte do povo brasileiro é de futuro, mais precisamente sobre o tamanho da pena do ex-presidente. Antes de Jair, somente um ex-mandatário havia sido julgado pelo Supremo Tribunal. Em dezembro de 1994, a Corte, por maioria de votos, absolveu Fernando Collor de Mello da prática de corrupção passiva, por suposto envolvimento no chamado Esquema PC Farias. Passados 31 anos, os ventos sopram em outra direção. Pelo andar da carruagem, nem mesmo o Deus que o Messias anunciava acima de tudo está mais do seu lado. Agora é bola ou bulica. A conclusão, portanto, é que realmente a Justiça tarda, mas não falha.