Bomba de Delcídio abala o País. Palavra de ordem no Supremo é serenidade
Publicado
emMarta Nobre
A bomba que o senador Delcídio Amaral entregou ao Supremo Tribunal Federal, com sua delação premiada, espalhou estilhaços por todos os lados. Não escapa Lula, nem Dilma. Como também não escapa Aécio, e outras figuras da política brasileira. No início da tarde, quando a delação foi tornada pública, Delcídio se desligou oficialmente do PT.
No STF, a palavra de ordem é cautela. É o que disse o ministro Marco Aurélio Mello, ao se mostrar “perplexo” com as acusações e a inclusão de um nome na longa lista de possíveis investigados: o de Aloízio Mercadante, ministro da Educação, ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff.
“Estamos todos perplexos. Claro que se trata da palavra de um investigado, o valor é relativo, mas a delação revela indícios e esses indícios podem ter materialidade. Temos que aguardar”, disse Marco Aurélio. Questionado se o conteúdo da delação, que mostra uma tentativa de interferência nas investigações da Lava Jato, seria suficiente para mandar prender Mercadante, o ministro do Supremo afirmou que essa era uma decisão que caberia ao seu colega Teori Zavascki, relator do caso no STF.
Marco Aurélio, porém, entende que o momento exige tranquilidade. “É hora de atuarmos com serenidade e temperança, apurando para que, selada a culpa, prender”, sublinhou.
Os aliados – Na delação, Delcídio não deixou pedra sobre pedra. Ele expôs o chamado “arco de influência” da bancada do PMDB no Senado em nomeações para ministérios e estatais. Segundo ele, o partido é especialmente protagonista no Ministério de Minas e Energia, com representantes na Eletrosul, Eletronorte, Eletronuclear e, até mais recentemente, nas diretorias de abastecimento e internacional da Petrobras.
Entre os parlamentares peemedebistas citados por Delcídio, está o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), além do ex-ministro Edison Lobão (MA). Os senadores Jader Barbalho (PA), Romero Jucá (RR) e Valdir Raupp (RO) também fariam parte do “time” que teria influência nas obras das hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, além da Usina Nuclear de Angra 3.
“Na Petrobras, abraçaram a manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria de abastecimento e Nestor Cerveró na diretoria internacional, como consequência do ‘escândalo do Mensalão’. A ação desse grupo se fez presente em subsidiárias da Petrobras como, por exemplo, a Transpetro. Lá reinou, absoluto, durante dez anos, Sérgio Machado, indicado por Renan Calheiros. Seguidas vezes o vi, semanalmente, despachando com Renan na residência oficial da Presidência do Senado”, relatou Delcídio aos investigadores.
Lula arrepiado – Delcídio também afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva e o ex-ministro Antônio Palocci atuaram na compra do silêncio do operador do mensalão, Marcos Valério Fernandes de Souza. A negociação teria custado entre R$ 110 milhões e R$ 220 milhões, pagos por empreiteiras do esquema de corrupção na Petrobras.
– Havia conversas muito fortes ao longo da campanha de 2008 (disputa municipal) de que os pagamentos estavam sendo por (para) Marcos Valério no exterior, em suas contas ou de terceiros, que não sabe se os valores foram de 220 milhões, pois ouviu que foi em torno de R$ 110 milhões, que possivelmente foram as grandes empreiteiras ligadas à Lava Jato que fizeram tais pagamentos, disse Delcídio em outro trecho do depoimento.
O senador ainda registrou que “tais empresas (…) eram os grandes doadores”. “A estratégia mais fácil era desta forma”, disse. “Tal informação surgiu de várias origens, de dentro e fora do PT e inclusive no meio empresarial, que isto era bastante disseminado”, frisou.
Desespero de Lula – Na delação, Delcídio afirmou que a CPI do Carf é um tema que aflige o ex-presidente (Lula), que já o procurou para tentar evitar a convocação de Mauro Marcondes e da esposa do lobista, Cristina Mautoni. O casal está preso. Investigadores também apuram o pagamento de R$ 2,5 milhões feito pela consultoria de Marcondes à empresa de um dos filhos de Lula.
O senador revelou ter prometido a Lula “mobilizar uma tropa” para resolver a questão da convocação do casal na CPI do Carf e reuniu-se com líderes da base do governo. Ele disse ainda que requerimentos de “alta periculosidade e sensíveis a Lula, a exemplo da convocação de seus filhos”, foram derrubados na CPI do Carf em novembro após mobilização articulada por ele com líderes da base.
Segundo Delcídio, Lula dizia estar muito preocupado com o casal. Em setembro de 2015, o ex-presidente pediu uma conversa privada em um hangar no aeroporto de Brasília no qual ficou claro, segundo Delcídio, que Lula queria evitar a convocação dos dois. “Que soube o depoente que Lula e Mauro Marcondes são próximos e amigos há bastante tempo, supondo que desde o tempo em que Lula era metalúrgico (…); que Mauro Marcondes também atuou em edições de medidas provisórias voltadas a conceder benefícios para o setor automobilístico”, consta no termo de colaboração do senador.
Voo de Aécio – O tucano Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, também foi citado na delação. Segundo Delcídio, o senador mineiro recebia vantagens ilícitas desviadas da diretoria de engenharia de Furnas. De acordo com o petista, o esquema era operado pelo ex-diretor Dimas Toledo, que teria “vínculo muito forte” com o tucano.
Delcídio afirma que os desvios eram repartidos entre Aécio e o ex-deputado José Janene, do PP. O senador petista cita uma conversa que teve com o Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, no qual o então presidente afirmou ter sido procurado por Janene e por Aécio para que Dimas continuasse a frente da diretoria de engenharia de Furnas.
“Agora o PT, que era contra, está a favor. Pelo jeito ele está roubando muito!”, teria dito o ex-presidente. Delcídio afirma que seria necessário muito dinheiro para manter três grandes frentes de pagamentos a três partidos importantes (o PP, o PSDB e o PT).
Aos investigadores, Delcídio afirma não conhecer como funcionava o esquema em Furnas, mas garante que a empresa foi usada sistematicamente “em vários governos” para repassar valores aos partidos, da mesma maneira como ocorreu com a Petrobras, conforme revelou a Operação Lava Jato.
Dimas é apontado por Delcídio como um “super diretor”, com grande capilaridade política dentro de Furnas, e que os demais diretores eram “meros coadjuvantes” na empresa. De acordo com o senador, Dimas ainda tem grande influência política, tendo conseguido eleger deputado federal o filho Dimas Fabiano (PSDB).
Cunha na mira – O senador chamou o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de “menino de recados” do banqueiro André Esteves em assuntos de interesse do Banco BTG, “especialmente no que tange a emendas às Medidas Provisórias que tramitam no Congresso”.
Como exemplo, o senador citou aos investigadores a apresentação de emenda por parte da Câmara dos Deputados a uma MP (668 ou 681, segundo Delcídio) possibilitando a utilização de ativos em instituições em liquidação de dívidas. Entre as tratativas de Esteves junto a Eduardo Cunha, estaria a possibilidade de inclusão de mecanismos para que bancos falidos utilizassem os Fundos de Compensação de Variações Salariais (FCVS) para quitar dívidas com a União. Delcídio confessou ainda o fato de ele próprio ter marcado uma agenda do banqueiro do BTG com o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para tratar do tema.
Delcídio ressaltou ainda que o BTG seria um dos maiores mantenedores do Instituto Lula. “Um dos instrumentos utilizados para repasse de valores seria o velho esquema de pagamento de ‘palestras'”, denunciou o senador. Além do próprio ex-presidente Lula, o ex-ministro petista Antônio Palocci seria uma espécie de “gendarme” de Esteves no esquema, nas palavras do delator.
Preço do silêncio –No acordo de delação premiada, o senador afirmou que o ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff e atual ministro da Educação Aloizio Mercadante, prometeu dinheiro e ajuda para que Delcídio não procurasse o Ministério Público Federal (MPF) e colaborasse com as investigações da Operação Lava Jato.
No depoimento à Procuradoria-Geral da República, Delcídio afirma que, durante o período em que esteve preso preventivamente por causa da Operação Lava Jato, seu assessor, Eduardo Marzagão, foi procurado em três ocasiões no mês de dezembro do ano passado por uma a assessora de Mercadante conhecida como Cacá e pelo próprio ministro.
Mazagão gravou as conversas que teve com o ministro, que passou um recado para Delcídio “ter calma e avaliar muito bem a conduta a tomar, diante da complexidade do momento política”. O ministro da Educação teria prometido que a situação de Delcídio se resolveria e que o pagamento de honorários com advogados “poderia ser solucionado”. O parlamentar disse aos investigadores que o recado era de que o PT bancaria sua defesa.
Delcídio também afirmou que acredita que o ministro agia como emissário da presidente Dilma Rousseff. Segundo o ex-líder do governo no Senado, Mercadante é um dos poucos que possui a confiança da presidente, e que teria dito que “se ela tiver que descer a rampa do Planalto sozinha, eu descerei ao lado dela”.