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Museu da República vai perpetuar em mostra as fantasias de Bornay

Roberta Pennafort

O nome de Clóvis Bornay (1916-2005) é a primeira referência que surge quando o assunto é desfile de fantasias de carnaval. Mas o ícone do luxo e da originalidade também era museólogo, carnavalesco de escola de samba, cantor de marchinhas, professor universitário, ativista LGBT e pai adotivo de três meninas, filhas de uma amiga. As múltiplas personas serão apresentadas a partir do dia 26 na exposição Clóvis Bornay – 100 anos, no Museu da República, com fotos, documentos, troféus, croquis e 3 das 21 fantasias suntuosas que ele mantinha em casa desde os anos 1970.

O material foi cedido pelo Museu Histórico da Cidade do Rio, instituição parceira na realização da mostra. O acervo está sob sua guarda – foi vendido pela família após a morte de Bornay, aos 89 anos. As fantasias em melhor estado de conservação, “Dalai Lama”, “Arlequim” e “Plenitude da harmonia universal”, da década de 1970 e guardadas em caixas, foram escolhidas para exibição. Tiveram de ser higienizadas, para se livrar de mofo, fungos e poeira, e estão passando por processo de restauro, uma vez que alguns materiais descosturaram.

“São obras de arte, ricas em pedras semipreciosas, lantejoulas, paetês e bordados. Temos túnicas, calças, cetros, capas, adereços de cabeça”, enumera Mário Chagas, coordenador técnico do Museu da República e curador da exposição, que tomará três salas do 1º andar do prédio. Foi ele quem teve a ideia de recuperar a trajetória de Bornay, desde a infância, em Nova Friburgo, município na Região Serrana do Rio, à formação em Museologia, em curso do Museu Histórico Nacional, onde viria a trabalhar.

Bornay participou da montagem da mostra de inauguração do Palácio do Catete como Museu da República (antes da mudança da capital para Brasília, em 1960). “Mostramos o Clóvis profissional, personagem, o rei das fantasias, o jurado de programas de auditório, como os de Flávio Cavalcanti e Silvio Santos. Ele dizia: ‘ser museólogo não é nada, mais difícil é ser Clóvis Bornay todo ano nas passarelas’. As pessoas não conhecem sua complexidade, que ele era mais do que um criador de fantasias. No mundo gay, é um símbolo, por ter uma postura assumida na fala e no comportamento”, disse Chagas. Bornay chegou a fundar uma torcida de futebol, a Flagay, pois torcia pelo Flamengo.

Como carnavalesco, Bornay desenvolveu enredos, nos anos 1960 e 1970, para escolas como Salgueiro, Portela e Unidos da Tijuca. À Portela deu o último título isolado no Grupo Especial. Foi em 1970, com Lendas e mistérios da Amazônia. A Bornay também é creditada a popularização da figura do destaque de carro alegórico – alguém ricamente trajado, que confere luxo à alegoria.

Sem reconhecimento – O centenário de Bornay foi no dia 10, mas não será lembrado nesse carnaval, a não ser por essa mostra. “Ele não tem o reconhecimento que merece. Eu mesma só fui saber da sua importância depois que ele morreu”, disse Tainá Bornay, representante comercial e filha mais nova (tem 26 anos). “A exposição é uma oportunidade grandiosa de ele ser conhecido, e de se mostrar o Bornay artista e também pai. Ele nos buscava na escola, ia às reuniões. No carnaval, levava a gente nos desfiles dos clubes. Eu ficava fascinada”, lembrou.

Tainá contou que Bornay mantinha suas vidas familiar e artística separadas, mas contava às filhas como começou a participar de concursos de fantasias. Ele tinha 16 anos e guardava a mágoa de ter se afastado da mãe desde que revelara ao pai, comerciante de joias, que era gay. O pai o expulsou de casa e o menino Clóvis não viu mais a família. “Então ele resolveu participar de concursos no Fluminense Football Club, onde a mãe ia, só para ela poder vê-lo”, contou.

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