Boteco raiz é aquele em que a gente toma cerveja no copo de cristal Cica e onde temos certeza de que a Terra é redonda somente até a terceira talagada. A partir daí, o vizinho de mesa chora lendo uma suposta carta dentro de um envelope lacrado. Triste é, após o décimo soluço, ele descobrir que a missiva era de um irmão e estava fechada por uma razão bastante plausível: fazia dois anos que o bebum não falava com o mano mais velho. Normalmente instalado no subúrbio ou em remotos interiores, é nesses locais que os sóbrios alcançam o prazer de conhecer os familiares dos “amigos” e onde todos falam e ninguém entende nada. Diante de um monte de bois, vacas, bodes, cavalos e jumentos, o manguaceiro arriado confunde os bichos com o sogro, a sogra e os cunhados. Por motivos óbvios, ele se utiliza da Inteligência Artificial e salva a mulher.
Convém registrar que boteco bom reúne chumbados de variadas classes sociais. São médicos, advogados, ministros de Estado, piscineiros, pescadores, catadores de lixo, aposentados e, principalmente, mentirosos. Depois da praia, do manicômio e do cemitério, é o lugar mais democrático de qualquer cidade, estado ou país. Nas mesas de um bar não há segredo, tampouco verdade absoluta. Reza a lenda que, quanto mais macabra, inverossímil ou falsamente corajosa, melhor é a história. E não valem repetições. Nos fins de semana, quando a frequência é maior e mais eclética, até o tempo dos causos precisa ser cronometrado, sob pena de um único contador madrugar na mesma narrativa.
No estabelecimento que costumava frequentar no velho subúrbio de Real Engenho, hoje Realengo, em decorrência da abreviatura Real Engo, somente o Dr. Faim Pedro, médico de família da região, tinha o direito da repetição. Responsável pelo alargamento do prepúcio (a chamada fimose) de 11 entre dez meninos dos bairros vizinhos, entre eles eu, o doutor contou e recontou a mesma resenha milhares de vezes, sempre com as mesmas vírgulas, crases, circunflexos e ponto final. Ou seja, não havia um senão. Por isso, o natural crédito ao clínico geral que, nos momentos de lazer, também operava como urologista. Jamais experimentei, mas contam os amantes de lendas que foram numerosas as dedadas no olhômetro alheio.
Tantos que o povo de Bangu decidiu colocar o nome do famoso terapeuta em uma passagem sob a linha de trem local: Buraco do Faim. Linda, respeitosa e autoexplicativa homenagem. E a resenha do homem? Conforme os jornais antigos, uma mulher de beleza duvidosa entrou com um processo contra o hospital público das adjacências alegando que, logo após seu marido ter sido operado de próstata pelo Dr. Faim Pedro, o dito cujo perdeu totalmente o interesse pelo sexo. Chamado a depor na delegacia local, o médico familiar respondeu formalmente à dona, prostrada à esquerda do lado do delegado: “Estimada senhora, a cirurgia que realizei em seu robusto marido foi para remoção de cataratas. Depois de sua queixa, tive certeza absoluta de que o procedimento foi um sucesso. Lamento pela tardia descoberta de vosso esposo”.
É desnecessário dizer que Faim Pedro deve estar contando a mesma história a seus pares candidamente recolhidos ao lado de Deus. Mesmo contra a tirania dos exercícios físicos, dr. Faim foi um ícone do bem. Passadas décadas de seu passamento, comecei pagando um jovem atleta para correr por mim dez quilômetros todos os dias. Em seguida, fui convencido à prática diária da musculação em uma academia. O resultado foi pífio: após quatro meses matriculado percebi que meu corpo continuava o mesmo. Estou bastante inclinado a aceitar as recomendações de frequentar pessoalmente a lazarenta academia.
Que saudade dos tempos em que o rebolation com o som de Bo Diddley, Chuck Berry, Harry Belafonte, Ritchie Valens e Chubby Checker eram suficientes para uma vida saudável. Atualmente, para manter minhas obrigações de macho alfa, sou obrigado a sessões recorrentes de terapia e de comprimidos variados para assegurar meus 69 segundos de performance sexual. Quando penso que hoje a quantidade de lágrimas derramadas ao longo da vida tornou meus olhos grandes demais, lembro queixosamente que poderia ter mijado muito mais. Como acredito em reencarnação, peço a Deus para que, mesmo longe do mar, da montanha e do Flamengo, eu volte rueiro, faceiro, botequeiro e cervejeiro. Em troca, prometo ser o maestro daquele grupo de bebuns surdos que, todas as noites, ficavam horas de bocas abertas cantando no bar de Realengo.