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Brasil da Covid é nova sarna do mundo globalizado

O governo e seus fanáticos apoiadores acreditam ter salvo-conduto para matar. Isso parece cristalino quando, ao atingir à triste marca de 401,1 mil mortos, o Brasil estarrecido assiste bolsonaristas tacanhos insistindo em pregar a discórdia, negando a Covid-19, desestimulando o uso de vacinas, perseguindo os que defendem medidas de restrição e, agora, ameaçando, via redes sociais, integrantes da comissão criada com o objetivo de investigar o desastre epidemiológico, consequentemente a falta de ações oficiais para conter a pandemia. Como já afirmaram alguns colegas jornalistas, esse grupo defende caninamente a necropolítica sugerida há um ano e dois meses pelo presidente da República. Interessante é o perfil dessas pessoas. O ofício religioso normalmente é o mesmo. A patologia, no entanto, é mórbida. A conduta é de fazer inveja a qualquer diabinho de encruzilhada.

Cinicamente fingem acreditar em Deus. Por isso, independentemente de classe sócio-econômica ou de conteúdo cultural, acham que a doença só atinge os que não creem no mito Jair Bolsonaro. Aliás, ele mesmo já disse que é Messias, mas nada pode fazer contra o vírus. Claro que pode. Ou poderia. Perdeu tempo, saliva ferina e verborragia maldosa tentando explicar o inexplicável. Enquanto se imaginava semideus (ou quase um) e aviava receitas com remédios sem eficácia comprovada, esqueceu de comprar vacinas, oxigênio e kits intubação para garantir a vida de quem se achava muito jovem para morrer. Lamentado por toda a sociedade do bem, o resultado é sinistro.

Os mais de 401 mil óbitos e quase 14,6 milhões de infectados é um recorde que nenhuma nação séria gostaria de ostentar. Ultrapassando todos os limites do bom senso e da razoabilidade, o Brasil alcançou números estratosféricos e assustadores para a comunidade internacional. Daí, nosso isolamento. Viramos sarna para o planeta globalizado. A pergunta que ecoa pelos alto falantes do mundo é óbvia, mas não tem resposta do chefe do Executivo, muito menos de seus fanatizados seguidores. Como o país chegou a situação tão dramática? Negando, negando, negando, negando ou minimizando o mal. Nos momentos de obscura lucidez, tentaram buscar uma pátria para o vírus ou se fartaram de vermífugos incapazes até mesmo contra parasitas, entre eles piolhos e sarnas. Não tiveram a coragem de lembrar do velho e bom Neocid.

Vivemos dias de Olimpíada. A cada novo amanhecer, uma nova marca trágica. As medalhas não cabem mais no peito de pombo do comandante em chefe. A expertise em imunização, que, por décadas, foi nosso principal esporte e nos garantiu numerosos podiums, ficou no passado. Último dia do mês mais letal da pandemia, o 30 abril de abril começou como está terminando o período: aumento no número de infectados, recordes de mortes e nenhuma medida efetiva contra a Covid-19. Embora triste, desastroso e macabro, o registro é a prova do fracasso absoluto do governo Bolsonaro. Por conta da inércia oficial, em apenas 36 dias o país contabilizou 100 mil mortes, volume que contribuiu para que atingíssemos o quantitativo de 400 mil em um ano e dois meses de pandemia.

O pouco caso com a vida, a falta de soluções e a necessidade ideológica de subestimar a letalidade do vírus estão na base de todos os problemas que resultaram no caos da saúde e acabaram por gerar colapso nos hospitais públicos e privados do país. Tudo isso após todos os recados da ciência. Ainda não sabemos onde iremos chegar, tampouco quem pagará essa fúnebre conta. Certamente não serão os “bolsonariuns sapiens”. Esses estão morrendo a rodo, mas o que sobram permanecem neandertalmente ignorando o vírus e, como nos tempos das cavernas, acreditando piamente que não há cadáveres em boa parte das urnas enterradas pelos quatro cantos do país. Perdão pela sinceridade, mas protagonismo sobre tragédias não é uma patologia comum. Talvez seja caso de urgente psiquiatria.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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