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Amadorismo político

Brasil de 50 anos em 5 acabou em apenas três anos e meio

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Leitor contumaz de coisas antigas que não perdem a validade, emboloram, mas não envelhecem, acabei folheando dias atrás uma dessas enciclopédias dos tempos da Emulsão Scott. Longe do modernismo e da atualização expressa da Wikipédia, a obra tratava especificamente de políticos que deixaram marcas nesse gigante chamado Brasil. De João Francisco das Alagoas até Jânio Quadros e João Goulart, a maioria recebeu citações merecedoras de estudos futuros, embora pertençam a um passado já distante. Com algumas críticas pontuais, os adjetivos variavam de pai dos pobres, desbravadores, e trabalhadores incansáveis da evolução social das massas. Como toda unanimidade é burra, nem todos conseguiram grau dez na avaliação final.

Ao lado de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek é um dos mais citados, com verbetes dos mais variados, entre eles o de incrementador da industrialização nacional, por meio do Plano de Metas, cujo lema era “50 anos em 5”. Durante os cinco anos de JK, o PIB brasileiro aumentou em média 7% ao ano e o parque industrial cresceu cerca de 80%, destacando-se as indústrias mecânicas, elétricas, do aço, de comunicações e de equipamentos de transporte. Construiu Brasília, ferrovias, rodovias, refinarias de petróleo e hidrelétricas, mas gerou algumas contradições, como o favorecimento à concentração do capital, gerado a partir da entrada de multinacionais no país.

Mesmo com todo pioneirismo na produção de bens de consumo em território brasileiro, como automóveis e eletrodomésticos, protagonizou episódicos desleixos sociais. Apesar de alcunhado de presidente bossa nova, uma das maiores marcas de seu governo é a dívida externa, praga que persiste até nossos dias. Enfim, passaram, foram imperfeitos, reconheceram suas imperfeições, receberam críticas de um lado e de outro, respeitaram os antagônicos, não viraram mitos, mas serão sempre lembrados. Ainda hoje avaliado como comunista de carteirinha, JK pode ter desagradado, mas cumpriu o que prometeu e fez 50 anos em 5.

Passadas duas décadas de governos populares (ou popularescos) e também odiados pelos terrivelmente honestos, não há como deixar de comparar o bossanovismo de outrora com os desatinos do líder que cumpre o que nem precisou prometer: encalhar, empobrecer e esfomear o Brasil. Na verdade, fez pior. Sob a batuta acima de qualquer suspeita de Jair Messias, o país retrocedeu 30 anos em três anos e meio. Estamos à beira do precipício, mas os “fortes”, que acreditam poder governar sem povo, continuam ensaiando formas de recuperar o modelo arcaico e maquiavélico do golpismo. Às vezes sou inclinado a crer que não há diferença entre a cabeça desse pessoal e a do caranguejo. Deixa pra lá.

Sou cobrado diariamente porque não falo de Luiz Inácio e dos problemas de sua administração. Falarei quando ele voltar a ser governo. Se voltar. Considerando que a perfeição bolsonarista já tem opinião formada sobre Lula, seria malhar em ferro frio fazer referências diárias aos percalços lulistas. Pelo menos, no Lula lá lá o buraco tinha fundo. Com a maioria desiludida, desesperançosa e desgraçadamente sob a tutela do deboche e do ódio, resta-me perguntar: Cadê o Brasil que estava aqui? Sumiu? Ainda não, mas está perto disso. E não adianta perguntar ao Jair para onde foi. Ele não sabe. Normalmente avalio a quadra política que vivo de forma desapaixonada. No entanto, impossível não lembrar que a bigorna já esteve bem distante de nós e que hoje está cada vez mais próxima de nossas cabeças.

Fazendo meus trechos poéticos da poetisa modernista Adélia Prado, “Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús secretos estão recheados daquilo que deixou saudade ou daquilo que doeu além da conta”. Por falta de oportunidade, não fui eleitor de alguns. De outros, talvez nunca seria. Contudo, João Francisco, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Goulart, Fernando Henrique Cardoso e até Luiz Inácio deixaram algumas boas recordações no imaginário popular. Antes que pegue no sono e não consiga acordar para cumprimentar meus parcos leitores, afirmo que, provavelmente, nunca direi que queimei a cara para enaltecer políticos amadores e mambembes. A política é uma peça que não permite ensaios.

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