Para justificar a posição contrária à utilização da CoronaVac em crianças e jovens entre 6 a 17 anos, o presidente da República e representantes de escalões inferiores do bolsonarismo empavonado espalham que os indicativos mundiais são de que a pandemia está próxima do fim. Mentira deslavada – fake news na nova ortografia antibolsonarista -, a difusão dessa falsa notícia tem por único objetivo manter a mobilização do exército de maluquetes contra a imunização total da população. Como bem definiu o correto presidente da Anvisa, almirante Antônio Barra Torres, ex-amigo de Jair Messias, é criminosa qualquer tentativa nesse sentido. É um atentado à saúde pública impedir que o cidadão, seja ele novo ou velho, procure se imunizar para fugir de uma mórbida contabilidade que já transformou em números 622,2 mil brasileiros.
Capitaneada pelo mito do além, a campanha do governo pelo fim da imunização infantil é a prova mais cruel do terreno pantanoso que ora pisamos. Absurda e obtusa – para não usar adjetivos mais raivosos -, a decisão vai na contramão do planeta, inclusive de mandatários estultos como o nosso. Entender que a letalidade da Covid-19 não alcança os menores é o mesmo que achar que temos governabilidade e que, sob os auspícios de Jair Bolsonaro, chegaremos fácil ao Primeiro Mundo. É uma aberração uma ordem dessas. Pior é o ministro da Saúde, um médico renomado, não espernear pública e sonoramente contra a proposta. Felizmente, no Brasil ainda existem pessoas normais e do bem.
Travestidos de governadores, prefeitos ou afins, boa parte desses homens e mulheres contribuíram – e contribuem – para minimizar o caos em que o país mergulhou desde janeiro de 2019. Por obra e graça dos líderes estaduais e municipais, a partir de decisões judiciais, imunizar o povo virou prioridades 0, 01, 02 e 03. Não tivessem “peitado” o presidente da República, governadores e prefeitos certamente não teriam lugar onde sepultar tantos mortos. Reitero que hoje, de 23,6 milhões de infectados, 622,2 mil viraram estatística. Tivessem aceitado o estágio de letargia – negacionismo, na verdade – do governo central, certamente estariam hoje contabilizando óbitos na casa do milhão.
Podemos chamar quem pensa e age dessa forma como governante? O Brasil colapsou e ainda tem gente achando que vivemos no melhor dos mundos. Perdoem-me a sinceridade, mas avaliar o mito como mais ou menos é a imbecilização no grau mais absoluto. Bom seria a morte. Como atestar positivamente um administrador que vende o caos, que aposta nos conflitos como forma eficaz de gerenciamento e, principalmente, que associa a própria inabilidade política ao desconhecimento dos perdidos seguidores para fazer do poder uma sopa de letrinhas incapaz de virar uma frase quando servida.
Tudo bem que é o governo que temos. É com ele que teremos de seguir pelo menos até dezembro deste ano. Então, devemos pedir a Deus e a todos os santos para que cesse a fase da redundância de asneiras. Embora ainda não tenhamos desmentido o presidente francês Charles de Gaulle, o Brasil é sim um país sério. Apesar do amontoado de mazelas, pelo menos parecia ser até pouco tempo. O abandono planetário gerado pela inércia e pelos delírios negacionistas dos poderosos transformou o país em um naco de terra queimada, às vezes inundada, habitada por uma maioria desaculturada e, para muitos, criadouro mal cuidado do vírus da Covid. É a nossa tênue distância entre o fanatismo e a barbárie.
Sabemos que somos muito mais do que um povinho que aceita qualquer um como presidente. Talvez eu não consiga ver, mas ainda mostraremos isso ao mundo. O castelo de cartas construído pelo bolsonarismo só tem um lado: o que convém aos seguidores do profeta do apocalipse. Por conta disso e da incapacidade gerencial, é improvável a possibilidade de sairmos do outro lado sem ferimentos ou traumas. No entanto, temos de tentar impedir que o delirium tremens atinja novos adeptos. Que permaneça limitado à nocividade de noviços parlamentares e à estupidez de profissionais formados em apatetadas escolas. Faz parte do jogo democrático ter simpatia ou gostar de determinados candidatos. Daí a achar que ele não faz nada errado há uma enorme distância. Não esqueçamos que “do fanatismo à barbárie não há mais do que um passo”.