Pouco me importando com as imparáveis arruaças dos maus perdedores, faz exatamente oito dias que despertei cantarolando Manhã de Carnaval, uma linda e extasiante canção criada por Luiz Bonfá nos anos 60. Não sei qual a razão, mas a letra me indicava o fim de uma tenebrosa era, consequentemente um novo e brilhante horizonte, uma nova e auspiciosa fase para o Brasil. “Manhã, tão bonita manhã/De um dia feliz que chegou/O sol no céu surgiu e em cada cor brilhou/Voltou o sonho então ao coração”. E de tão bela a nossa manhã, realmente parecia uma Manhã de Carnaval. Fora de época, mas carnaval. Do lado oposto, o que ainda lamenta o triste fim de Policarpo Quaresma e acredita em virada de mesa, a merecida tristeza lembrava uma outra canção do fim dos anos 70, esta de autoria do mestre paraibano Zé Ramalho.
Longe da metáfora retratada em Admirável Gado Novo, o povo marcado pelo mito merece a tristeza e o luto eterno porque, além do ódio destilado diariamente sobre os brasileiros que ele avalia como subraça, não consegue admitir a felicidade e a alegria alheias. Só eles se acham com esses direitos. “Ê, ô, ô, vida de gado/Povo marcado, ê/Povo (in)feliz”. É a nova realidade brasileira. Contra a maluquice, o desequilíbrio, a gastança pública, a desordem, as mentiras e a barbárie, Luiz Inácio foi eleito para seu terceiro mandato. Ficou claro que, com coragem e boa vontade, qualquer um pode vencer arsenais de práticas ilegais e chegar onde quiser. Corretos ou não, os adjetivos dirigidos diariamente a Lula foram insuficientes para evitar a derrota do oponente dito terrivelmente honesto.
Vencida as milícias digitais e rodoviárias, vale lembrar que a guerrilha vem de longe. Ela começou contra a urna eletrônica, cuja segurança sempre foi questionada pelo grupo denominado bolsonarista. Um questionamento exclusivamente por conta da preocupação com os resultados. Depois, o mesmo agrupamento desacreditou a veracidade das pesquisas de intenção de votos, principalmente quando estas eram desfavoráveis. Ressalte-se que, fora as sob encomenda, todas as consultas populares foram contrárias. Na sequência golpista, a obstrução de rodovias e as manifestações reivindicando intervenção militar. Como indaga um antigo samba enredo da União da Ilha do Governador, “E o amanhã, o que será? Responda quem puder o que irá nos acontecer”. Ainda conforme o samba, “a cigana leu o meu destino” e já adiantou que “será como Deus quiser”.
Não importa o amanhã. O hoje é a primeira semana da retomada da esperança. Portanto, só nos resta “viver e não ter a vergonha de ser feliz”. Aproveitemos porque, de acordo com a nova febre da internet, you Only live once (Yolo), ou seja, a gente só vive uma vez. Resumindo a ópera bufa, estivemos entre Deus e o Diabo. A ordem ficou por conta da imaginação de cada um. Falando sério, a tendência política é que o trem comece a andar corretamente nos trilhos. Vencida a tese golpista, a parte mais complicada será compor com o Congresso Nacional, de modo a garantir um mínimo de governabilidade. Mantido o rumo das conversas com os caciques do Parlamento, onde Luiz Inácio da Silva já é chamado de “irmãozinho”, o presidente eleito não terá, como acreditam os bolsominíons mais ferozes, tantas dificuldades para governar. É esperar para ver.
A tarefa será difícil, mas não impossível, considerando que, independentemente da linha ideológica que professam, os deputados e senadores não são de ferro. Pelo contrário. São abertos a qualquer tipo de acerto. Embora os mensalões, petrolões e orçamentos secretos estejam na berlinda, sempre se encontra um jeitinho de negociar a favor de benesses pessoais, ainda que elas sejam contrárias à sociedade. Azar do povo, que, nesse contexto parlamentar, é apenas um mero detalhe. De oposição ou de situação, a verdade é que historicamente a maioria dos congressistas não resiste ao segundo embargo auricular de um representante do governo. Imagina resistir à maleta de um lobista. É triste afirmar, mas é assim que o trem consegue andar.
Sobre a minha manhã quase carnavalesca, triste é relembrar que 2,1 milhões de votos separaram Lula daqueles que queriam o poder para dizimar os contrários, eliminar opositores, sobretudo os chamados comunistas, e, se possível, exterminar quem teimasse em se opor à sanha dominadora do mito. Tudo isso fazia parte do programa de governo de Bolsonaro, cuja plataforma era virar imperador. Ele tentou. Na verdade, eles tentaram. Ocorre que a globalização do planeta conspirou a favor do povo brasileiro. O mundo que havia virado as costas para o Brasil começa a se reaproximar. A cigana não previu, mas, com o novo quadro, provavelmente retomaremos o atalho que nos devolverá o título de nação do futuro. Melhor do que isso, estaremos imunes à praga bolsonarista de venezualização do Brasil.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978