Os reaças
Brasil do conservadorismo é tido como o pior do mundo
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emDepois de pelo menos dois séculos lutando contra o conservadorismo como ideologia política ou moral, o Brasil e boa parte dos brasileiros pareciam ter desistido de insistir com essa filosofia de mesa de Confeitaria Colombo. Ledo engano. Após um período em que poucos se preocupavam com o modo de vida alheia e a maioria torcia por um país duradouro, acabaram elegendo quem acredita que cabe exclusivamente ao governo o papel de encorajar ou estimular valores ou comportamentos que consideram tradicionais. Claro que o eleito não está sozinho nessa empreitada. Segmentos raivosos e personalistas da sociedade apostam fichas que não têm no controle social como saída para o país.
Pois está ocorrendo exatamente o contrário. No auge da globalização, o Brasil do conservadorismo está isolado e cada vez mais declinando dos valores moderadores pregados e defendidos nos templos mastodônticos da realeza religiosa. É o pior dos mundos. Por exemplo, embora apoiada pela turma do Deus acima de tudo, é criminosa a tese de transformar a Floresta Amazônica em pasto ou em covil de madeireiros. Da mesma forma, é acintosa e provocadora a ideia bozolítica (já quase uma lei) de liberar terras indígenas para o garimpo devastador e economicamente personalizado.
Fora de hora e da curva, o Brasil de nossos dias virou nação do proselitismo litúrgico do apostolado para o garimpo devastador. Respeito o ser humano e suas posições na mesma proporção que eu e meus ideais são respeitados. Só não consigo avaliar como normais religiosos que se vestem com figurinos modelados no padrão mito e se arvoram em defesa da liberação das armas. Em outras palavras, defendem um bundalelê armamentista. Perdão pelo sincericídio, mas não há como negar alguma similaridade entre esse pessoal e a turma que associa Barrabás a um herói bíblico. Para ilustrar, o judeu Barrabás foi escolhido pelo “povo” da época para ser liberto em vez de Jesus, que ressuscitou ao terceiro dia. Quanto ao “bandido”, a Bíblia fala pouco dele e não conta o que aconteceu depois que foi libertado
Ou seja, esqueceram-no como esquecerão os que, travestidos de patriotas, agem com radicalismo putiniano. Vale lembrar que patriotismo significa apoiar o país e não a um presidente ou qualquer outro servidor público ávido por dominar a vida de seus comandados. Progressista de alma lavada e enxaguada na labuta diária da vida, entendo o conservantismo como o pior dos mundos. Didaticamente, sinônimo de conservador é reacionário. É aquele que, supostamente em nome da família, não aceita inovações, mudanças morais, sociais, políticas, religiosas e comportamentais. O reaça perde a família, os amigos, a alegria de viver e até a condição de ser pensante , mas mantém a pose de bobalhão dominante.
O brasileiro se acostumou a creditar aos portugueses – nossa teórica ascendência – a herança conservadora que mantemos até hoje. Pode ser, ainda que insista na máxima de que pobre não tem tempo para ser conservador. Os mais antigos reconhecem no filósofo e político irlandês Edmund Burke a paternidade do conservadorismo. Há controvérsias, na medida em que a conservação política proposta por Burke na política nunca se baseou na manutenção do status quo. Vivente do século XIX, ele definiu a política como um exercício em que é preciso respeitar princípios seguros de conservação e de transmissão, “sem excluir o princípio da melhoria”. Portanto, conservação, transmissão e melhoria seguiriam uma ordem lógica, e não arbitrária”.
Para o pessoal do cercadinho do mito o que realmente importa são valores pessoais equivocados e ultrapassados, nos quais nem mesmo eles acreditam como indissolúveis. Como dizia Maquiavel, para bem conhecer o caráter do povo é preciso ser príncipe, e para bem conhecer o do príncipe é preciso pertencer ao povo. Ou seja, um mandatário precisa reconhecer que a função de gerenciar, prover e estabelecer nada tem a ver com dominar, tampouco com editar normas de comportamento ou regras de vida. Ainda sobre a proposta de um revólver para cada cidadão brasileiro, lembro de uma citação de Theodore Roosevelt, para quem um voto é como uma arma. “Sua utilidade depende do caráter do beneficiado”. Nesse contexto, no fundo da frigideira podemos ler que, metaforicamente, a arma que mata pode ser usada pelo eleitor que pensa devolver o país à normalidade.