Cada vez mais contemporâneo, o provérbio português “De médico e louco todo mundo tem um pouco” é autoexplicativo e reflexo das pessoas com habilidades e pensamentos ao mesmo tempo sensatos e contraditórios. De autoria do escritor Machado de Assis, ao longo dos anos a expressão obteve acréscimos pontuais, entre eles o dos poetas e dos técnicos de futebol. Na quadra que vivemos, nada mais justo do que também acrescentar o neologismo bolsonaristas. Mas quem é essa gente com tanto crédito? É um povo surgido com a nova forma de fazer política por meio de fake news, mas, ao contrário da indagação, com credibilidade partidária bem próxima de zero. Eles apenas acham chato ser normais. Nunca ouvi, mas os imagino afirmando que há na loucura um prazer que só os loucos conhecem.
Tanto que acreditam em mitos e têm certeza de que, passados 18 dias do resultado da eleição que elevou Luiz Inácio à condição de imperador do Brasil, os militares darão um golpe semelhante ao de 1964. Se autodenominam gênios, porque supostamente têm posses ou nada de produtivo a fazer. Conhecidos simbolicamente por gado pelo grupo oponente, com alguma frequência permitem que as estultices humanas preencham suas mentes ocas e fanatizadas. Por conta disso, o líder que cultuam certamente associa ou já associou seus seguidores àquele outro famoso ditado: “Em terra de cego quem tem um olho é rei”. Do meu catre, prefiro a serenidade da paz à arte da loucura, embora seja fã de uma expressão cunhada pelo genial Raul Seixas: “A arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal”.
Admito que a loucura move tudo. No entanto, lendo Clarice Lispector, entendo que seja mais lúcido “engolir a loucura porque ela me alucina calmamente”. Meu temor em relação ao fanatismo enlouquecido é que as pessoas virem refém dele. É um temor tardio, pois, infelizmente, isso já ocorreu com pelo menos 58 milhões dos cerca de 213 milhões de brasileiros. Refiro-me aos eleitores do tenente Jair Messias Bolsonaro, considerado mau militar pelo ex-presidente Ernesto Geisel e péssimo mandatário por mais de 60 milhões de votantes. Como o gado ruminante, não sabem para onde vão. Insanos coletivos, estão nas ruas, em frente aos quartéis, bloqueando rodovias e enchendo o saco de quem quer trabalhar por um ideal que eles mesmos reconhecem inconquistável. Então, por que insistem? Qual é a verdadeira alegação? Golpe? Fraude nas urnas? Lula roubou votos? Mandou a PRF fazer blitz contra os eleitores do adversário?
Açoitada em praça pública e no Congresso Nacional, as urnas eletrônicas acabaram salvas pelas próprias Forças Armadas, que reviraram a maquininha e nada encontraram de errado. Portanto, nenhuma das alternativas acima. Sobre um levante militar, esse povo afeito à estupidez gratuita precisa entender de uma vez que não há hipótese de golpe. Embora a elite dominadora ache o contrário, o Brasil não é mais um republiqueta de bananas podres. Somos uma nação ordeira, alegre, festiva e temporariamente isolada do mundo por causa do despreparo político-administrativo de seu ainda presidente. Se alguém duvida de que as coisas irão mudar a partir de 1º. de janeiro apostem pouco, pois irão perder feio. Afinal, por mais que os elitistas enfadonhos e ensandecidos queiram, o Haiti, a Venezuela e a Nicarágua não são aqui. Poderiam ser, caso o resultado eleitoral fosse outro.
Sei que a sinceridade incomoda, mas falta aos defensores ferrenhos do bolsonarismo senso de ridículo e de realidade. Será que eles acreditam no golpe como pregam nas manifestações? Se tivessem um mínimo de inteligência, certamente pensariam diferente. Tenente expulso do Exército, Bolsonaro virou capitão a partir de uma decisão corporativa do Superior Tribunal Militar (STM) que, em 1988, por nove votos a quatro, revogou seu jubilamento, optando pela aposentadoria com soldo de uma patente acima. Pois bem, achar que as Forças Armadas golpeariam a democracia para reconduzir um oficial explosivo, encrenqueiro e de graduação inferior é pensar pequeno demais. É pensamento de doido que, como disse Ariano Suassuna, vê as coisas além das aparências. Se isso ocorresse, eles (os generais) tomariam o poder para eles. Simples assim.
De concreto, a louca paixão por um dos candidatos virou ódio contra o outro e seus eleitores. O ódio disseminado por Bolsonaro se transformou em febre contra Lula da Silva, que, em decorrência do desaparecimento do Jair, será o primeiro o presidente do Brasil a ter um mandato de quatro anos e dois meses. Enfim, assim como são as pessoas são as criaturas. O mundo dá voltas e mostra que somos verdadeiramente produtos do meio. Pior é quando nos descobrimos produtos do nada. Tudo a ver com os patriotas travestidos de Zé Carioca, como se paramenta um famoso personagem do bolsonarismo. Estes insistem em mudar o que está posto, o que é imutável. Surpreendem pela obviedade e pela repetição de ideias e, mais do que isso, pelas absurdas incoerências. Unindo loucura à realidade política brasileira, vale repetir um milhão de vezes o moçambicano Mia Couto: “O que espanta não é a loucura que vivemos, mas a mediocridade dessa loucura. O que nos dói não é o futuro que não conhecemos, mas o presente que não reconhecemos”.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978