Escrever sobre política ou a respeito de políticos é uma arte. Encontrar diariamente um enredo favorável à categoria é como um cego buscar uma agulha no palheiro durante um apagão pós-feriadão de temporais, enchentes e desmoronamentos por todos os cantos do país. Pior ainda é tentar produzir textos positivos relativos a um governo que nem mesmo bandeira tem. Se tem, ainda não apareceu. Por absoluta falta de positividade, a imprensa brasileira, com rarí$$imas exceções, tem produzido farto material cobrando operacionalidade do presidente da República. A do cifrão mostra o que brasileiro algum consegue ver.
A impressão que se tem é que, ao se eleger chefe do Executivo federal, Jair Messias Bolsonaro pensou encontrar apenas um bom emprego, daqueles em que se come, bebe, viaja e mantém familiares, amigos, correligionários bocudos e puxa-sacos à custa do Erário. Acredito que jamais tenha passado pela cabeça do mito que ninguém governa um país com mais de 200 milhões de pessoas sem um mínimo de trabalho. Cansou-se logo após perceber a mercadoria em que havia se metido. Mesmo cansado de tanto “trabalho”, falou mais alto a ganância pelo poder.
Esqueceu-se, no entanto, que, mesmo os poderosos, têm, por obrigação contratual, seus dias de labuta. Como diz o ditado popular, toda araruta tem seu dia de mingau. Não parece ser o caso do mandatário brasileiro. Iniciada a campanha à reeleição imediatamente após o recebimento da faixa presidencial, em 1º. de janeiro de 2019, o Brasil passou a ser governado por ciclos. Na sequência do encantamento, do deslumbramento e do glamour com o poder, vieram as fases de aposta no escuro em Donald Trump, do negacionismo maquiavélico e do golpismo sem pretexto.
Essa quadra foi seguida pelo período do pastel de vento nas feiras livres, da farofa com frango nas ruas do Distrito Federal, dos passeios de jet ski pelo Lago Paranoá, das motociatas em duas ou três capitais, das lives para meia dúzia de afccionados e, por fim, da visita ao irmão Vladimir Putin. Quase 1,2 mil dias depois da posse, finalmente surgiu o estágio real. Descalibrado e distante do palco que acreditou sempre iluminado, o presidente percebeu que tinha de voltar à realidade, sob pena de ser obrigado a passar o ponto do Palácio do Planalto antes mesmo das eleições de outubro. Aliás, nossa triste realidade deve ter lhe dado o tom menos nebuloso nessa reta final de administração.
Recuperar o tempo perdido seria nossa alegria. Entretanto, agora a Inês parece morta. Mesmo com pacotes de bondade, estamos com o barco à deriva. Pior ainda é a nau presidencial, abarrotada de fanáticos, mas cheia de trincas por conta dos desvarios do fanatismo. Governar para todos, nem pensar. Até agora, pouco ou quase nada foi feito para o povão, que permanece com fome e sem emprego. Nesses três anos e dois meses, o governo foi absolutamente seletivo, do tipo a maior porção de pirão é para os meus, no máximo para os que habitam o cercadinho. Que o diga o ministro da Economia, Paulo Guedes, cujo novo incômodo é com a possibilidade de o brasileiro comum ter mais de um celular. Ele pode ter cinco, quem sabe dez.
Se os Estados Unidos e a Europa ainda estiverem de pé após a guerra da Ucrânia, Guedes volta ao front para administrar sua fortuna. À beira do colapso, certamente retomaremos o cotidiano de eterno sofrimento econômico e de alta inflacionária sem precedentes. Por isso, temos de pensar coletivamente, antes de transformar a urna eletrônica em penico. É grande o risco de novamente elegermos um governo de puxadinhos ou de arrumações temporárias. Portanto, ainda que não sejamos artistas, pensemos em algo perene. Tentemos escrever páginas políticas mais sólidas.
Enquanto houver esperança, estarei à espera do milagre. Não sou obcecado pela derrota desse ou daquele candidato. Tenho obsessão pela consolidação democrática do país. E esse sonho, infelizmente, não sairá da página 2 caso continuemos elegendo presidentes que se imaginam governando o Arranca Toco Futebol Clube. Somos maiores do que um caminhão de abóboras. Temos condição de escrever enredos menos desfavoráveis. Façamos de 2022 o recomeço ou a constatação de que o Brasil de hoje não aceita mais governantes brincalhões, totalitários, monopolizadores e, sobretudo, afastados da sociedade e descompromissados com a causa pública, com a nação e suas mazelas.