País tropical, praias maravilhosas, festas, futebol e mulheres lindas com sexualidade à flor da pele. E o melhor: tudo incluso no pacote. Uma situação constrangedora, revela reportagem do Terra. O texto, assinado por Thaís Sabino, é transcrito a seguir
O trabalho de divulgação da Copa do Mundo – como a camiseta da Adidas com desenho sexualmente apelativo e a notícia publicada pela revista Fabulous, do The Sun, que estampou um bumbum vestido com biquíni da bandeira do Brasil – deixam claro para a advogada e pesquisadora dos direitos femininos, Daniella Alencar, que “juntamente com a viagem e hospedagem, vende-se também o corpo das mulheres brasileiras aos estrangeiros”.
O conhecido como “país das bundas” tem seus estereótipos fortalecidos e transmite a imagem de brasileiras hipersexualizadas, liberais e disponíveis para o sexo, argumentou a ativista Joana Emmerick, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul. Diante desse cenário, o assédio às mulheres é só uma consequência.
Em eventos como a Copa do Mundo e Carnaval, segundo a advogada e ativista feminista Magnólia Said, também membro da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), estrangeiros vêm ao Brasil com o desejo de usufruir o “país do futebol, o samba e o sexo exacerbado e livre, informações já vendidas pelas agências de turismo e mídia”. “O estrangeiro acha que pode tudo, tanto assediar a mulher que está na rua, como a que está prestando algum trabalho no hotel ou restaurante, pois comprou o serviço completo”, acrescentou Magnólia.
O governo brasileiro espera receber cerca de 840 mil turistas de outros países durante a Copa, já o registrado pela Embratur no mês do Carnaval de 2012 foi de 569.706. Na avaliação de Magnólia, enquanto nas festas de Carnaval existe um clima de “liberalização, na Copa o estrangeiro vem com o mesmo apetite, seja correspondido ou não”.
Daniella chamou a atenção para o ponto de que em um evento de futebol o público-alvo principal é formado por homens, o que contribui para assédios em grande número. Passear pelos corpos das brasileiras é só mais um “ponto turístico” da viagem, usado como slogan turístico, afirmou a socióloga e coordenadora da ANCOP, Rosilene Wansetto. Segundo ela, “é sabido dos que vem para jogos compraram pacote no qual inclui encontro com mulheres e adolescentes”. A exploração da imagem da brasileira traz a roupagem de País da subversão, na opinião da socióloga. Em uma cultura predominantemente machista e patriarcal, ela lembrou que não só os assédios por parte dos estrangeiros aumentam, como também dos brasileiros.
Uma pesquisa divulgada no final de 2013 pelo site Olga mostrou que apenas 2% das brasileiras nunca sofreram assédio nas ruas. O estudo foi feito com 7.762 voluntárias, a maioria (40%) com idades entre 20 e 24 anos.
“Os brasileiros são os primeiros exploradores das mulheres no Brasil”, disse Danielle. “Os turistas estrangeiros talvez nem cometam assédio às mulheres em seus países de origem, por acharem que não são tão disponíveis como as brasileiras”, afirmou a coordenadora de projetos da CAMTRA e membro do Fórum Estadual de Combate à Violência Contra as Mulheres, Iara Amora. Danielle acrescentou que essa distorção ainda dificulta na distinção entre profissionais do sexo e de outros setores.
Os assédios previstos já acontecem no dia-a-dia da mulher, como cantadas, arrochadas e convites para relações sexuais, exemplificou Rosilene. Claro que os registros de casos mais graves com violência física também devem aumentar. O policiamento reforçado não necessariamente implicará em mais segurança para as mulheres, na opinião de Joana. Até pelo motivo que “se uma vítima faz denúncia contra um turista por assédio, certamente a tendência é que o delegado encontre um motivo para culpar a mulher”, argumentou Magnólia. Se nas ruas e meios de transporte os desrespeitos fazem parte da realidade, em espaços tidos como “masculinos”, a presença da mulher deve ser ainda mais questionada e lembrada que o local é para homens. “Uma mulher que ousa estar em um estádio, é como se pedisse para ser assediada”, acrescentou Joana.
A última Copa do Mundo, há quatro anos, também gerou preocupação sobre os impactos sociais com a chegada de estrangeiros e construção de grandes obras no país. O aumento da prostituição e o tráfico de pessoas estavam no topo da lista de efeitos negativos e este último registrou número de 110 mil casos durante o megaevento, segundo Daniella. As organizações ativistas brasileiras acompanharam relatos de pesquisadoras e militantes da África do Sul para organizarem campanhas de prevenção da violação de direitos no Brasil. Das informações recolhidas, Magnólia afirmou que os megaempreendimentos “aumentaram a violência contra a mulher, prostituição e o consumo de drogas”.
“Em depoimento, Nomasonto Eglat (ativista e membro do serviço ecumênico para a transformação socioeconômica da África do Sul) afirmou que ‘o povo achava que ia lucrar, mas na verdade houve uma faxina social. Os moradores de rua, as mulheres e os camelôs foram os que mais sofreram, o que era para ser uma festa popular virou um mecanismo de tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres’”, relatou Rosilene. As taxas de mulheres que já sofreram violência sexual na África do Sul chegam a 17,4% e com a Copa, segundo instituições, os números aumentaram. No entanto, Michelle Bellion, da Sexual Assault Clinic, chamou a atenção para o assédio entre crianças e adolescentes, “de meninos de 12 anos ou mais abusando de menores, com entre 3 e 9 anos”.
“A Copa aconteceu no período de férias escolares, mas ao contrário das três semanas de pausa usuais, o governo decidiu acrescentar uma semana a mais e as crianças pequenas foram deixadas em casa com um irmão mais velho ou primo. Em pesquisas, descobrimos que crianças mais velhas, após terem acesso à pornografia via celulares e internet, estavam testando as novas ‘habilidades sexuais’ em menores vulneráveis”, relatou. Segundo a ativista, a polícia sul-africana, grupos de defesa dos direitos humanos e a própria mídia já haviam previsto o aumento do assédio sexual, prostituição e tráfico de pessoas com o megaevento, mas “esqueceram-se das crianças”.
A ativista sul-africana do SithabileChild & Youth Care Center, Thabisile Msezane, relatou que pouco antes dos jogos mundiais de 2010, jovens começaram a ser levadas ao país, vindas de outras nações africanas, como Moçambique, Congo, Ruanda e Angola. Adultos de várias regiões do continente também viajaram à África do Sul com o intuito de “ganhar dinheiro” com os turistas. Muitas profissionais do sexo, segundo Thabisile, trabalharam durante a Copa e, elas, mesmo que sofressem violência, raramente as relatavam. Outro problema registrado no país, segundo a ativista, foi a venda de crianças provenientes de famílias muito pobres ao mercado de exploração sexual, até para atender a nova demanda do mercado na África do Sul. “A incidência sobre a interação das sul-africanas com os estrangeiros não foi amplamente divulgada”, concluiu.