Mário Lago foi um errante romântico, perambulou com elegância por distintas áreas, cheio de perspicácia, tantas vezes com tamanha discrição, que muitos de nós nem desconfiamos que ele compôs músicas que estão no imaginário popular. Foi radialista também, justamente num tempo em que o rádio era o grande meio de comunicação. Ser do rádio era como atingir em cheio a mente e o coração do ouvinte, que colava a orelha mais aguçada para não perder nenhuma palavra.
O Mário era torcedor do Fluminense. Não sei se já falei como me refiro aos tricolores. Pois bem, há muito tempo conto a mesma piadinha, talvez sem graça. Mas vamos lá. Quando você pergunta qual é o seu time para um botafoguense, um vascaíno ou um flamenguista, as respostas são, respectivamente: “Sou Fogão!!!”, “Sou Vascão!!!”, “Sou Mengão!!!” Todavia, o tricolor responderá: “Ah, eu gosto do Fluminense”.
Não há exclamação, pois até nisso o torcedor do tricolor carioca se distingue dos demais, pela elegância, pela discrição, pelo modo Mário Lago de ser. Ele não precisa gritar aos quatro cantos para tentar convencer quem quer que seja da sua paixão pelo clube das Laranjeiras. Ele simplesmente é. Por isso, creio que o Mário Lago se sentiria deslocado do resto da torcida, caso optasse por qualquer um dos outros três grandes cariocas.
Essa aparente falta de euforia nem de longe significa ausência de amor. Ah, amor é o que o Mário sempre demonstrou pelo que fazia, seja na música, seja no rádio, seja no teatro, seja na televisão, seja em qualquer momento da sua vida. Foi preso sete vezes. Sete! Preso político! “Ah, mas era um criminoso, pois estava descumprindo a lei”, alguns poderiam supor.
Pois é, estava mesmo. Todavia, isso demonstra mais uma faceta do Mário: a coragem. Sim, a coragem. Mas não aquela coragem que aparentemente o covarde ganha quando está entre vários amigos contra um só adversário. Não. A coragem do Mário era diferente, pois ele lutava contra ditaduras. Foi assim contra o Estado Novo, foi assim contra a Ditadura Militar.
Se o Mário fosse jogador de futebol, com certeza seria o Didi. Sim, o Didi de 1958. Quando a Suécia abriu o placar na final, o Didi correu até o gol, pegou a bola, a colocou debaixo do braço e foi caminhando tranquilamente para o meio de campo, enquanto outros jogadores, entre os quais Zagallo, reclamavam para que ele corresse, pois os suecos estavam em vantagem. Inabalável, o Didi continuou impávido. O Mário e o Didi talvez fossem gêmeos de espírito, ambos serenos, ambos destemidos sem precisar levantar a voz. Nada dessas bobagens de gritos de guerra. Pois é, nesses tempos sombrios em que o fascismo surgiu com força, o Brasil, mais do que nunca, precisa de mais Mários Lagos.