Consciência eleitoral
Brasil precisa resistir a insanos e ter um governante de respeito
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emNa corrida eleitoral de 1,5 mil metros, o presidente Jair Bolsonaro queimou a largada, foi advertido, mas não está definitivamente fora da prova. Ficará alijado caso a disputa seja exclusivamente com base no voto. Embora ache o contrário, não tem mais os eleitores que fecharam questão contra Luiz Inácio e, portanto, seguiram irresponsavelmente com ele em 2018. Perdeu apoiadores, mas não o desejo pessoal de se tornar imperador coroado pela força. Particularmente, desconheço golpe sem apoio do povo, de grandes grupos empresariais, da indústria, do comércio, da totalidade das Forças Armadas, da imprensa e, sobretudo, da comunidade internacional, com destaque para o governo dos Estados Unidos.
Como eterno defensor da democracia, seja ela comandada pela quadrilha de A ou de B, imagino diariamente a hipótese de um golpe comandado por um militar despatenteado e que até agora, dois anos e nove meses após a posse, ainda não sabe informar o que faz um presidente da República. Imaginemos a efetivação desse pesadelo. Qual seria o futuro do Brasil, hoje absolutamente isolado do restante do mundo? Até que ponto tio Joe Biden e sua turma mais rica permitiriam uma Venezuela de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, 213,3 milhões de pessoas, pulmão do planeta e ainda a oitava economia, mesmo que suas finanças estejam abaixo da lona? Quem reconheceria a ditadura liderada por um capitão defenestrado do Exército e que é apoiado por meia dúzia de generais que adoram receber vários salários e um bando de PMs degenerados e que acham que terão aumentos semanais?
Tudo bem que, graças a nossos impostos, os PMs e bombeiros já garantiram o din din para a casa própria. Farinha pouca, meu pirão primeiro. É assim que funciona o egoísmo humano. O desemprego e a fome de quase 20 milhões de brasileiros são meros detalhes. Afinal, partindo do pressuposto de que reclamar é sinônimo de comunismo, esse povo desempregado e esfomeado vota em Luiz Inácio. Pelo menos é o que acha o grupo golpista. Reitero que não acredito em uma linha do que está escrito na “Declaração à Nação”. Entretanto, meus achismos não significam crer no arbítrio, tampouco nos gritos embandeirados das viúvas da ditadura. Não somos mais um país de eleitores de beira de esquina, daqueles que qualquer coronel, por meio de bem mandados cabos ou sargentos, enrolava e comprava votos com dentaduras, marmitas ou pares de óculos com lentes ineficazes. O Brasil de 2021 merece ser governado com respeito.
Apesar dos parcos investimentos na educação, hoje a maioria tem um mínimo de consciência eleitoral. Por isso, o desejo do golpe e da arapuca da auditagem. A turba que está no comando tem certeza de que o voto dado será o voto apurado. Está comprovado que a urna eletrônica não permite fraudes. E contra os fatos não há mais qualquer argumento. Depois de meses de frustradas tentativas de desacreditar o sistema eletrônico de votação, a guerra surda travada simbolicamente pelo voto impresso teve como vencedores o país, o Tribunal Superior Eleitoral e os eleitores. Geradora de trapaças, a impressão era a grande chance de reeleição da chapa que, sabe-se lá como, saiu vencedora em 2018. O jugo pela força seria outra possibilidade. Seria não fosse a falta de credibilidade interna e externa do mito, inclusive entre seus próprios seguidores.
Sempre surpreendendo gregos e troianos, amigos e inimigos, o messias Jair Bolsonaro não cumpriu o que prometeu à família e a apoiadores. Marco na tentativa bolsonarista de acabar com a democracia no país, o motim explícito do 7 de Setembro acabou gerando uma retumbante derrota para o governo do cercadinho. Pior foi a obrigação de pedir desculpas ao principal algoz do Supremo Tribunal Federal e ordenar um inimaginável recuo a um bando de caminhoneiros que mal e porcamente conduzem seus veículos. Como democrata, respeito os votos saídos das urnas. Contudo, como cidadão não posso deixar de emitir considerações. O Brasil já teve mandatários fora da caixinha, líderes de esquemas nada republicanos e até falsos lordes
O que nunca experimentamos foi um presidente enlouquecido pelo poder, destreinado politicamente e sem conhecimento algum de uma máquina pública. As pessoas morrendo de fome, sem emprego e o capitão estimulando um bando de loucos a ocupar as ruas por uma ideologia que eles não sabem o que representa. Já cheguei a dizer o mesmo de Luiz Inácio, mas dou a mão à palmatória. Mesmo que tenha roubado, como afirmam seus opositores, Lula é um santo perto de Bolsonaro. Podem dizer dele o que quiserem, mas jamais que é antidemocrata, mercenário ou distante do povo. Pelo contrário. Sempre esteve onde o povo está. No fim da maratona, governo bom deixa histórias para serem contadas. De alguma forma, os ruins também são lembrados. O problema será escrever sobre o que tropeçou em suas próprias pernas e sequer alcançou a primeira curva.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978