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Brasil precisa urgentemente de um fundão para o esporte

Desde a mais tenra idade sempre ouvi dizer que o desporto contribui para a formação da personalidade e caráter do indivíduo. Afinal, é por meio das atividades esportivas que o ser humano aprende diversos conceitos e desenvolve habilidades que ajudam a moldar seu futuro. De forma didática, o esporte cria obrigações, estimula a personalidade intelectual e física, além de oferecer chances reais de integração social. Funciona como um diferencial na formação do cidadão e na construção de uma sociedade mais saudável em todos os sentidos. Não sei quem primeiro difundiu essa tese. O que posso afirmar que ela é verdadeira e faz décadas é utilizada apenas como discurso eleitoreiro por candidatos a diferentes níveis de governo e por eleitos de partidos e correntes variados.

É uma promessa nunca cumprida e que vale para todo tipo de eleição. A menos que surjam pessoas ou entidades dispostas a financiar projetos sociais, a juventude, especialmente das localidades mais carentes, continuará, como sempre foi, esquecida pelos organismos oficiais. O esquecimento é deliberado e associado ao desastre das gestões das várias confederações olímpicas, ao corte de recursos e ao desmonte das estruturas esportivas em governos recentes. Conforme dados da Universidade de Brasília sobre gasto público em esporte, os R$ 3,2 bilhões destinados a treinamentos e preparação de atletas em 2016 foram reduzidos para R$ 2,8 bilhões em 2021, ou seja menos R$ 400 milhões, excluídas as perdas sem justificativas de patrocínios privados.

Apesar disso, a vontade e o esforço hercúleo dos nossos atletas conseguiram nos levar a 21 medalhas, o que configura um novo recorde. São duas a mais do que em 2016, no Rio de Janeiro, e nove a mais do que 2012, em Londres. Parabéns também aos guerreiros e valentes treinadores. Valeu a pena ter ficado acordado para sofrer, torcer e reconhecer o valor de cada um dos membros da delegação nacional em Tóquio. E as congratulações ficaram limitadas ao povo. Embora o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, tenha exaltado a presença de atletas ligados às Forças Armadas, nenhum membro do governo liderado por um suposto ex-atleta foi capaz de, pelo menos publicamente, desejar boa sorte na partida do grupo para a capital japonesa ou parabenizar os medalhistas após cada uma das 21 vitórias.

O resultado de Tóquio é um feito a ser comemorado. Mostrou alguns avanços no desporto brasileiro, mas certamente deixou algumas lições. Uma delas é termos esquecido que esporte é sinônimo de saúde. Também faz tempo que achamos que os atletas são forjados somente na força, coragem e adrenalina. Tudo isso é importante, mas não suficiente. Sem apoio público ou privado ficaremos eternamente a reboque de qualquer uma das nações européias, algumas com população inferior a qualquer um de nossos menores estados. San Marino, por exemplo, tem 35 mil habitantes, levou apenas cinco atletas a Tóquio e ganhou três medalhas de bronze.

Somos os maiores e melhores entre os latinos, mas temos potencial para muito mais. Claro que não podemos tentar algum tipo de comparação com potências esportivas como Estados Unidos, Grã-Bretanha, China, Japão e Rússia. Entretanto, poderíamos pelo menos estar nivelados com Alemanha, França, Itália, Áustria, Holanda, Hungria e Austrália, todos com quantitativos de habitantes bastante inferior, mas com índices esportivos infinitamente superiores. Pouco antes de retornar a seu clube na Inglaterra, o jogador Richarlison, medalhista de ouro e artilheiro do torneio olímpico de futebol, cobrou mais investimentos do governo no esporte.

O pedido é simples e objetiva um amplo horizonte. Aliado à vontade e ao sonho de nossos meninos, esse esperado apoio poderá gerar novos Ítalos, Isaquias, Heberts, Alisons, Rebecas, Rayssas, Bias, Anas Marcelas e Darlans. Por enquanto, ao contrário das nações vencedoras, o Brasil tira dinheiro do esporte para “investimentos” em carreiras políticas. Ou mudamos essa ordem ou permaneceremos ad eternum aquém de nossas possibilidades. Precisamos urgentemente de um fundão para o desporto nacional. Pensemos rapidamente nisso, lembrando que Paris está logo ali.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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