Depois de quatro anos de expectativa frustrada e de 16 meses de esperança, eis que surgem dois novos Brasis: o da utopia e o da realidade. Não se trata de uma descoberta, na medida em que não há nada de inusitado nesses novos tempos. O problema é que, quando se imaginava algo melhor, mais sensato e menos nocivo, ocorre a constatação de que realmente houve uma mudança, mas para pior. Muito pior. Nesse período, acirrado pela catástrofe climática do Rio Grande do Sul, o povo brasileiro experimentou perguntas alvissareiras, algumas mentirosas, e respostas nada respeitosas ou convidativas ao bom senso. No entanto, o aprendizado é próximo de zero.
Lembro de eleitos terem prometido um país de normalidade absoluta. Logo depois, na primeira crise mais séria, negaram apoio irrestrito a uma doença letal e, sempre com deboches, inventaram medicamentos fakes contra o vírus e, no fim, tiraram a obrigação da reta, lembrando ironicamente que não podiam agir como coveiros. Derrotados, a opção supostamente mais tranquila foi uma fracassada tentativa de golpe na democracia. O tempo passou, mas a crueldade não. Hoje, enquanto os gaúchos perdem a dignidade ou desaparecem sob escombros, as mentiras continuam sendo disparadas nas plataformas digitais.
Em se tratando de Rio Grande do Sul, muito pior é ver um filho da terra fugindo da raia. Para quem passou quatro anos se esgueirando na sombra de um militar de menor patente e vive há 15 meses acusando o atual mandatário de preguiçoso, o que tem feito o senador Mourão Hamilton (Republicanos-RS) pelo Brasil e, principalmente, por seus conterrâneos em desgraça quase absoluta? Nada! Aliás, nesse ano e meio ele “visitou” o Estado apenas duas vezes. Indagado sobre sua ausência durante a tragédia, disse que ajudar as vítimas das enchentes não é função dele como senador. Acrescentou que, caso fosse, significaria desvio de função.
Acho difícil que alguém pensasse desse modo. Todavia, deixar de ajudar um irmão à míngua é o pior dos defeitos. É desvio de conduta. Virar as costas para os seus é desmerecer o mandato. Jornalistas, médicos, engenheiros, taxistas, produtores rurais, donas de casa e até moradores de rua não têm nenhuma expertise para esse tipo de trabalho. No entanto, estiveram e estão em Porto Alegre e demais cidades do Estado voluntariamente, isto é, por que, mesmo com mais de 70 anos, pensam no próximo como seres humanos. Parece não ser o caso do senador, casualmente ex-vice-presidente da República que ele quase ajudou a afundar.
Além de botar as mãos e a cara no lamaçal em que se transformou boa parte do Rio Grande do Sul, o atual governante tem se esforçado para que tenhamos um Brasil diferente. Esta semana, ele se irritou com o preço do arroz. A população também. E não é só com o arroz, mas com os valores cobrados pelo feijão, carne, frango, ovos, óleo, café, açúcar, combustível e remédios. Voltamos à fase da expectativa, torcendo para que a realidade seja menos utópica do que a enfrentada durante a negritude e da ausência total de valores civilizatórios. Escrever, reclamar, gritar ou espernear contra a situação não é a solução. Nós os elegemos.
Portanto, nós somos os grandes culpados pelas mazelas que sofremos. Há formas mais elementares de mudar os rumos do país. A mais rápida e eficaz é pelo voto. Não é fácil, mas aprender a votar é fundamental. O passo inicial pode ser deixar de eleger os mesmos candidatos ou quem eles indicam. A mesmice leva aos parlamentos e aos governos federal, estadual e municipal representantes ambiciosos das indústrias, do agronegócio, dos mercados de saúde, alimentação e medicamentos, os quais, nos momentos de crise, são os primeiros a lucrar. O destino está traçado. Mudá-lo só depende de nós. Temos a arma. Falta o mais importante: a consciência.