Apesar de todas as recomendações do governo no sentido oposto, felizmente estou vacinado e fora do alcance do vírus da Covid-19. Entretanto, lamentavelmente, a indústria farmacêutica ainda não conseguiu produzir nada contra a raiva humana. Portanto, eu e todos os colegas jornalistas sediados no Brasil, na Itália, nos Estados Unidos ou em qualquer parte do mundo ou rezamos na cartilha do bolsonarismo ou seremos hostilizados, xingados e até agredidos somente porque as perguntas desagradam ao mito. Como ocorreu nesse fim de semana prolongado em Roma e na cidade italiana de Anguillara Veneta, com repórteres e cinegrafistas acabaram culpados pelo retumbante fracasso da participação do presidente brasileiro na reunião dos líderes dos 20 países mais ricos do planeta.
Aliás, com raríssimas exceções, faz tempo a imprensa nacional sofre as consequências do desmantelo da administração federal, principalmente do despreparo e do descontrole de seu comandante. Reconhecidamente, o governo federal nada produz de útil para o país, mente para o mundo, engana apoiadores fanatizados, mas nada de ruim pode ser divulgado. Complicado porque inexistem coisas boas na gestão do capitão, que, como diz um velho (não de idade) amigo do coração, é Messias, mas não é milagreiro. Meu antigo e brilhante companheiro de redação lembra antológico discurso do presidente, no qual ele pedia o fim da “frescura e do mimimi”, recomendava a pacientes sem ar que procurassem um hospital para ser intubado e minimizou o vírus dizendo que todos morreríamos um dia. Já morreram quase 610 mil brasileiros.
O ódio está estupidamente estampado na fisionomia de quem não admite oposição a Bolsonaro. Nesse feriado recebi um zap desse tipo. Era um desenho indicando um único banheiro escolar para meninos e meninas como se fosse proposta do PT, Psol e do PCdoB. Certamente pior do que a índole de quem me enviou, o autor, cuja imbecilidade não merece ser identificada, ainda pede para que os “chocados” votem corretamente em uma próxima eleição. Tenho certeza de que isso ocorrerá, mas no sentido inverso. Não há hipótese de permanecermos liderados por um cidadão que conhece tanto de administração ou de política, sobretudo a externa, quanto eu de mitologia de papelão. Se isso ocorrer, difícil imaginar que o Brasil não seguirá isolado do mundo e abandonado pelo grupo dos que se acham mais inteligentes, menos sentimentais e que nunca admitem seus próprios erros. Querem um país só para eles.
São os brasileiros que insistem em não acreditar na desvalorização da marca Brasil no exterior, adoram o exibicionismo daqueles que nada sabem, fazem pouco caso da pandemia e do desmonte da Amazônia, continuam tomando cloroquina, jamais se indignam com a fome, tampouco sofrem com a dor alheia. Não são solidários nem no câncer. São acima do bem, do mal e das tristezas. É o povo que não se permite ouvir verdades. Imagine vivenciá-las. São perfeitos demais para se acharem um de nós, simples mortais e eleitores de qualquer um, menos de quem acha que está tudo bem. Donos de retóricas beligerantes e descontroladas, estão certos de que em tempo algum morrerão. Para eles, a morte somente alcançará os petistas e os que não concordam com teses golpistas, retrógradas e maluquetes.
E nessa batida, estamos afundando como nunca visto na história deste país. Em lugar de soluções, agressões. Enquanto o Brasil derrete com uma crise econômico-financeira-pandêmica sem precedentes, o presidente da República e uma comitiva digna de fazer inveja aos sheiks do petróleo fizeram turismo na Itália, onde pretensamente foram participar da reunião do G20. Em vez de defender com o fígado quem não consegue nos representar, defendem o mesmo cabidão de outrora, criado para abrigar centenas de abnegados defensores do meu pirão primeiro. As universidades não têm recursos porque são petistas, mas os ideólogos e os fantasiados de técnicos podem rachar de ganhar dinheiro porque apoiam o esfacelamento dos democratas.
E o que eles, além de ódio e rancor, devolvem para o Brasil? Nossas Forças Armadas não dispõem de armas para aguentar dez segundos de guerra contra qualquer um de nossos novos inimigos. No entanto, o governo ideológico brigou com Deus e o mundo para armar o povo com fuzis, em detrimento do feijão. Na verdade, vivemos um governo hibrido, sem ascendência. Para a maioria que pensa com o coração, não há diferença entre o mandatário brasileiro e o mítico Iéti, o abominável homem das neves. É a nossa nova forma de fazer política: nada de proveitoso para dizer, tudo de ruim para ouvir e coisa alguma para receber. Em síntese, estamos entregues às baratas.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978