Quinhentos mil e oitocentos mortos. O número por si só já diz muito. E desde o começo da pandemia temos comparado a situação do Brasil com outros lugares do mundo para tentar dimensionar a tragédia. Cada tipo de cálculo tem suas limitações, mas em todos eles o Brasil aparece entre os 10 países onde mais morreu gente por covid.
O boletim epidemiológico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde deste sábado,19, apresenta números redondos: mais 2 mil 301 óbitos nas últimas 24 horas, elevando o total a 500.800. Os casos de contágio subiram para 17.883.750, com os 82.288 registrados de sexta para sábado.
Só para ter uma ideia, o Brasil tem 2,7% da população do planeta e atualmente concentra 30% das mortes pela doença no mundo inteiro. O número de meio milhão de mortes esconde um monte de diferença em relação a outros países, como o tamanho da população e a quantidade de idosos em relação à população total.
Ou seja, país com 200 milhões de habitantes tende a ter mais mortes por covid do que uma nação com uma população de 2 milhões. Além disso, a covid-19 mata mais idosos em qualquer lugar do mundo. Então, ao compararmos o impacto da doença em dois países com a mesma população, aquele que tiver mais idosos tenderá a ter mais mortes. Mas há um monte de outros fatores que influenciam essas comparações.
Por outro lado, a comparação de mortes por 100 mil habitantes, que costuma ser usada por quem minimiza a tragédia no Brasil ou a relativiza ante um suposto impacto da maior da doença em países europeus, também ignora que as nações têm diferentes proporções de idosos.
As chamadas “mortes em excesso” são a soma do número de mortes por todas as causas que supera a média histórica em um determinado período. Esse indicador não costuma sofrer variações grandes de um ano para o outro — apesar de haver grandes variações sazonais (julho costuma ser o mês com o maior número de mortes no Brasil). Em caso de grande variação, não há outra explicação para a diferença que não seja o coronavírus.
Mas há limitações em torno dessas análises. Muitos países não têm esse dados históricos, e parte daqueles que têm não disponibilizam dados tão detalhados, atualizados ou confiáveis. Além disso, não há uma grande instituição, como a Universidade de Oxford ou a Organização Mundial da Saúde (OMS), compilando esses dados.
De todo modo, há diversas iniciativas que buscam contornar esses obstáculos para possibilitar comparações entre países e de um próprio país com sua série histórica. Em geral, esses levantamentos apontam dados mais ou menos parecidos entre si.
O jornal britânico Financial Times, por exemplo, reuniu os dados mais recentes de 60 países, incluindo os registros de cartórios brasileiros. O líder é o Peru, com 122% de excesso de mortes. Ou seja, o número de mortes é o dobro do que se esperaria sem uma pandemia. O Brasil aparece em 9º lugar, com 34% mais mortes do que se esperava.
O estatístico Ariel Karlinksy, da Universidade Hebraica (Israel), e o especialista em aprendizado de máquina Dmitry Kobak, da Universidade de Tubinga (Alemanha), fizeram um levantamento envolvendo 95 países. O líder continua sendo o Peru, com 148% de mortes em excesso.
O Brasil surge em 7º, com 36%. Eles calculam que até 31 de maio de 2021 o país teve 499 mil mortes a mais do que se esperava, segundo a média histórica nacional. O número é equivalente ao total de mortes por covid até meados de junho, segundo o Ministério da Saúde: 488 mil.
Mas tudo isso é covid? Quase. Um estudo de pesquisadores brasileiros publicado em junho deste ano apontou que 95% das mortes em excesso em São Paulo no primeiro semestre de 2020 foram por coronavírus.
Um trabalho ainda em andamento do economista Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) afirma que a taxa de mortes de idosos no Brasil em 2020 foi mais de 20 vezes maior do que entre pessoas com até 59 anos.
Segundo seus cálculos, 169 países de um total de 178 (ou seja, 95%) tiveram uma taxa menor do que a do Brasil em mortes por covid-19, quando se comparam não só os números absolutos, mas o tamanho da população e os óbitos em cada faixa etária.
Isso quer dizer que, caso em todos esses países os cidadãos tivessem morrido na mesma proporção, por sexo e por idade, em que morreram no Brasil, só nove deles estariam em uma situação pior do que a brasileira — ou seja, nessa comparação, registraram mais mortes do que teriam tido. Sete deles são latino-americanos. São eles: Peru, México, Belize, Bolívia, Equador, Panamá, Macedônia do Norte, Colômbia e Irã.
Hecksher ressalta que “comparações internacionais são quase sempre sujeitas a diferenças entre os métodos de apuração dos indicadores de cada país e os padrões de erro cometidos”, mas “é necessário lidar com os dados disponíveis e buscar a melhor forma de compreender o que eles informam dadas as limitações de cada tipo de comparação”.
O marco de 500 mil mortes por covid, atingido agora pelo Brasil, não leva em conta o tamanho da população ou a quantidade de idosos, como explicado acima, mas ele é bastante simbólico.
Atualmente, esse total de mortos é o segundo mais alto do mundo, se comparados os números absolutos oficiais. Fica atrás apenas dos EUA, que ultrapassaram em junho a marca de 600 mil mortes.
Mas a tendência é que o Brasil ultrapasse os EUA nos próximos meses porque o país norte-americano tem conseguido controlar o avanço da pandemia e ampliado a vacinação de sua população.
Especialistas brasileiros apontam, no entanto, que o Brasil está mais perto de se tornar líder no ranking mundial de mortes do que parece.
Análises apontam que em meados de junho o Brasil já pode ter ultrapassado a marca de 600 mil mortes por casos confirmados ou suspeitos de covid-19, 100 mil a mais que os dados do Ministério da Saúde. Essa diferença ocorre por causa da demora para inserir dados das mortes no sistema nacional. A correção desse atraso permite, portanto, “prever o agora” (nowcasting) e ter uma imagem menos distorcida da real situação atual do país.
O segundo indicador que mais costuma ser usado para comparar a quantidade de mortes por covid do Brasil em relação a outros países é aquele que leva o tamanho da população sem ponderar quantidade de idosos, por exemplo.
Há levantamentos que apresentam o número de mortes a cada 100 mil habitantes ou a cada 1 milhão de habitantes.
A Universidade Johns Hopkins (EUA) afirma que o Brasil é o 2º com mais mortes por 100 mil habitantes entre os 20 mais afetados ao longo da pandemia inteira. São eles: Peru, Brasil, Argentina, Colômbia, EUA, México, Romênia, Chile, Paraguai e Bolívia.
Por outro lado, a Universidade de Oxford (Reino Unido) apresenta uma comparação parecida, mas sobre dados mais atuais, e não relação à pandemia inteira. Nesse caso, o Brasil aparece com a 7ª pior média de mortes por 1 milhão de habitantes. Dos 10 primeiros, 9 estão nas Américas. São eles: Paraguai, Uruguai, Suriname, Argentina, Colômbia, Peru, Brasil, Trinidad e Tobago, Bahrein e Bolívia.