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Brasil tem estrutura digital colonizada, alerta sociólogo

O colonialismo digital é a capacidade dos países que sediam as gigantes das tecnologias das comunicações e informações, as chamadas big techs, de controlarem os fluxos econômicos, políticos e culturais em países que não detém essas estruturas digitais, segundo define o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira.

Para o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), apesar de o Brasil ser um país independente politicamente, ainda não desenvolveu sua soberania digital e tem a estrutura colonizada por empresas sediadas principalmente nos Estados Unidos.

“Desde o século 19, a gente não tem uma relação colonizada com Portugal, por óbvio. Mas a colonialidade e suas várias subordinações permanecem. Nós entregamos nossos dados para o exterior e, com esses dados, os sistemas de inteligência artificial (IA) criam produtos e serviços e depois vendem para a nossa população e extraem mais riqueza ainda”, explica.

Enquanto no início do século 20 as empresas de petróleo eram as mais valiosas do mundo em valor de mercado, hoje são as empresas de tecnologia da informação que lideram o ranking das mais poderosas companhias do planeta.

Das dez maiores companhias em valor de mercado listadas pela Companies Markey Cap, seis são da tecnologia da informação: Microsoft, Apple, Nvidia, Alphabet/Google, Amazon e Meta/Facebook, todas dos Estados Unidos.

O professor Sérgio Amadeu, que pesquisa as consequências políticas e econômicas do uso da IA, argumenta que os países que desenvolvem essa tecnologia usam o controle sobre a estrutura digital para influenciar os demais países. “Isso a gente chama de colonialismo digital”, disse.

“Essas empresas não querem só ganhar dinheiro no Brasil com os dados que coletam das pessoas. Elas querem poder. Então elas afrontam as estruturas do Estado, elas definem condutas do governo”, destacou Sérgio, que citou ainda o comportamento no Brasil da plataforma X, que desrespeitou decisões do Judiciário brasileiro, o que levou ao seu bloqueio no país.

Colonialismo
O pesquisador Michael Kwet, autor do livro Colonialismo Digital: O Império dos EUA e novo imperialismo no Sul Global, afirma que, no colonialismo digital, “as corporações estrangeiras minam o desenvolvimento local, dominam o mercado e extraem a receita do Sul Global, com poder obtido principalmente por meio da dominação da estrutural da arquitetura digital”.

O Sul Global é o termo usado para se referir aos países não desenvolvidos ou emergentes que, em sua maioria, estão localizados no Hemisfério Sul do planeta.

Segundo Micheal Kwet, o fato de sediar as grandes big techs do planeta “conferem aos Estados Unidos imenso poder político, econômico e social”.

Em decreto presidencial de fevereiro de 2019, o então presidente dos EUA, Donald Trump, determinou os critérios para “manter a liderança americana em inteligência artificial”.

“Os Estados Unidos devem promover um ambiente internacional que apoie a pesquisa e inovação em IA americana e abra mercados para as indústrias de IA americanas, ao mesmo tempo em que assegure nossa vantagem tecnológica em IA e proteja nossas tecnologias críticas de IA da aquisição por competidores estratégicos e nações adversárias”, diz o decreto da Casa Branca.

Os EUA também têm buscado trazer de volta para o país a indústria de chips de aparelhos eletrônicos, devido ao seu papel estratégico para a soberania digital.

“Os EUA estão protegendo cada vez mais os dados da sua população. É só você ver o que eles estão fazendo com o TikTok lá”, lembra o professor Sérgio Amadeu. Em abril deste ano, o Congresso norte-americano aprovou uma lei para proibir a rede social chinesa no país.

Soberania Digital
Do lado oposto ao conceito de colonialismo digital ou de dados, os pesquisadores desenvolveram o conceito de Soberania Digital. Segundo Silveira, a Soberania Digital ocorre quando um país ou sociedade controla “as tecnologias que são indispensáveis para o nosso cotidiano, nossa autodeterminação e desenvolvimento. É a capacidade de controlar os componentes fundamentais do processo digital”.

O professor da UFABC argumenta que estatais como Serpro e DataPrev, assim como o Banco do Brasil, têm centros de armazenamento de dados, mas esses serviços vêm sendo terceirizados no Brasil.

“As big techs, a partir da primeira década do século 21, começaram a fazer pressão para terceirizar a infraestrutura computacional. Dizem que não precisamos ter um monte de servidor, que eles cuidam disso para o Brasil”, comentou Sérgio.

Para ele, criar Soberania Digital e enfrentar o colonialismo de dados é justamente “controlar tecnologias estratégicas, ter infraestruturas de armazenamento e processamento de dados soberanos e também controlar os dados em vez de enviar as informações para serem processadas no estrangeiro”.

A pesquisa Educação Vigiada, deste ano, revelou que de 154 domínios de e-mails de instituições de ensino superior do Brasil, 74% são armazenados no Google e 9% na Microsoft.

“Mal conseguimos manter os dados das universidades nas próprias universidades. Os dados da educação pública brasileira são usados para treinar a inteligência artificial dessas grandes empresas. Nós estamos perdendo recursos econômicos fundamentais ao perder dados”, alerta o sociólogo Amadeu da Silveira.

Na semana passada, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão responsável por zelar pela proteção dos dados no Brasil, autorizou a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, a usar dados pessoais dos brasileiros para treinar a inteligência artificial da empresa.

Inteligência artificial
Em julho deste ano, o governo brasileiro lançou o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2025 trazendo, pela primeira vez para uma política pública, o conceito de Soberania Digital.

O plano prevê investimentos de R$ 23 bilhões em 4 anos para “transformar o país em referência mundial em inovação e eficiência no uso da inteligência artificial, especialmente no setor público”.

Os campeões em investimentos em IA são Estados Unidos, que aplicaram R$ 63 bilhões em recursos públicos e R$ 380 bilhões em privados, em 2023, seguido pela China, que investiu R$ 306 bilhões com recursos públicos e outros R$ 39 bilhões com dinheiro privado em IA no ano passado, segundo levantamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido nos fóruns internacionais o desenvolvimento de uma IA do Sul Global para competir com a dos países desenvolvidos. Além disso, tem pressionado para que se crie uma governança global da IA. “Na área digital, vivenciamos concentração sem precedentes nas mãos de um pequeno número de pessoas e de empresas, sediadas em um número ainda menor de países”, alertou o presidente, acrescentando que é preciso promover “uma inteligência artificial que também tenha a cara do Sul Global, considerados em desenvolvimento, que fortaleça a diversidade cultural e linguística e que desenvolva a economia digital de nossos países”.

Congresso Nacional
No Congresso Nacional, tramita o Projeto de Lei 2.338/23, que regulamenta a IA no Brasil. A votação do texto já foi adiada diversas vezes e sofre pressão contrária da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e das big techs, que alertam que a regulação poderia isolar o Brasil tecnologicamente.

Para o especialista Sérgio Amadeu da Silveira, a oposição ao projeto busca manter o mercado nacional para as grandes empresas estrangeiras. “As grandes corporações que controlam o desenvolvimento da IA não querem nenhum impedimento ao seu negócio. Obviamente, eles acionam seus sócios menores no Brasil e que têm lobby no Congresso Nacional”.

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