Mens sana in corpore sano (mente sã em corpo são). Atribuída ao poeta romano Juvenal, a expressão remonta aos primeiros séculos da era cristã e faz parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida. O sentido original preconiza a necessidade de se estar com o espírito em equilíbrio para que o corpo também esteja equilibrado. Simples assim. Não no Brasil, onde a truculência e a selvageria dos representantes dos órgãos de segurança estão transformando o povo, que por eles deveria ser resguardado, em refém de policiais mal treinados, de condutas duvidosas e, sobretudo, estimulados pelo chefe da nação. Assim como na fase crítica da pandemia, estamos entregues à própria sorte.
Se corrermos, morreremos asfixiados, de balas “perdidas” ou em confrontos fabricados e apoiados por superiores hierárquicos. Caso consigamos sobreviver, o risco é de morrer de fome, de frio ou com o carimbo de infiéis, rebeldes e, quem sabe, comunistas. Talvez esteja exagerando, mas o fato é que, nem nos períodos mais negros dos 21 longos anos da ditadura militar, a polícia brasileira matou tanto quanto agora. Outro dia ocupei este mesmo espaço para lamentar a inversão de valores que estamos vivendo. Repito tudo que disse, com a agravante de que as ações de hoje são esquizofrenicamente avalizadas em reuniões palacianas e comemoradas em lautos convescotes familiares e partidários.
Ou seja, atualmente a vida de um inocente vale menos do que a coroa de flores reutilizadas enviada em forma de um pedido de votos pelos nossos ensandecidos governantes às famílias enlutadas. Por parcos 5% de aumento linear, setores federais da segurança nacional se permitiram corromper e romper com quem, em última análise, os paga por meio do recolhimento de impostos. O povo está órfão. A Polícia Militar do Rio de Janeiro mata e tortura assassinos e traficantes em troca do dinheiro sujo do tráfico. Exclusivamente para matar quem não “colabora”, a mesma corporação invade comunidades, onde a maioria dos habitantes é negra e pobre, mas reconhecidamente do bem.
Agentes da Polícia Rodoviária Federal, cuja função precípua não é prender ninguém, abordam um cidadão sergipano em via pública e o matam – na melhor das hipóteses o deixaram morrer – no interior de uma viatura caracterizada e transformada nazisticamente em câmara de gás. São valores animalescos, selvagens e absolutamente fora dos princípios que deveriam reger uma sociedade normal. É isso mesmo, faz tempo deixamos de ser uma sociedade normal. A polícia mata e o comando cinicamente assina o termo de confronto. É o espírito de corpo assustadoramente bancando o fim de nossa normalidade. Para eles, a ganância pelo dinheiro ou pelo poder é mais importante do que a paz social. Lamentável do ponto de vista humano, a carnificina oficial e as ações selvagens passaram a fazer parte do cotidiano do brasileiro.
É a banalização da morte. Nem as crianças ou idosos se assustam mais. Me faz lembrar um provérbio bíblico, cuja verdade estabelece que uma mente insana e paranoica gera atitudes insanas e delirantes. E pouco importa que os cemitérios fiquem lotados de inocentes. E essa desumana despreocupação com a vida vem de cima para baixo. Sob o falso e distorcido pretexto de garantir segurança e reduzir o número de homicídios, o chefe da nação liberou o uso e a compra de armas para o “pessoal do bem”. Perdão pelo sincericídio, mas a decisão confirma a tese de que ele não está nem aí para o Brasil sério, correto, pacífico, ordeiro e realmente do bem. Não existem estatísticas demonstrativas a respeito do perfil de quem compra armas. Será mesmo o povo do bem? Está claro que a ordem é ver o circo pegar fogo. De preferência no dia em que os bombeiros estiverem de folga.
Obviamente que o principal mandatário do país sabe que, patrocinado pelos órgãos de segurança e por alguns governantes, o número de homicídios segue altíssimo. A menos que tenhamos coragem de mudar, os massacres e a brutalidade não cessarão. Fazendo minhas as palavras do escritor, pesquisador e blogueiro Randerson Figueiredo, a perversidade faz parte da sociedade disposta a comprar tudo e a se vender a qualquer custo. Se a opção for pela manutenção do que aí está, lamento, mas concluirei que não adianta mais esforço de parte alguma, pois, graças à nossa ilusão, estaremos definitivamente incluídos na expressão idiomática e popular de que pertencemos a um mesmo grupo, isto é, somos farinha do mesmo saco.