O Supremo Tribunal Federal (STF) começou o julgamento de dois processos cruciais para o futuro da regulação de plataformas digitais no Brasil. Em pauta, está a responsabilidade de empresas como Facebook e Google pelo conteúdo publicado por seus usuários. Os casos, que envolvem as ações Facebook x Lourdes e Google x Alliandra, foram reunidos em razão de abordarem questões semelhantes sobre os limites da liberdade de expressão na internet e o papel das plataformas no controle de conteúdos prejudiciais.
Na abertura da sessão, os relatores dos dois casos apresentaram seus relatórios detalhados. Em seguida, os advogados das plataformas fizeram suas sustentações orais, destacando os desafios de uma regulação que equilibre o combate a conteúdos nocivos com a preservação da liberdade de expressão.
Eduardo Bastos Furtado de Mendonça, advogado do Google, realizou uma sustentação oral que chamou a atenção pelo equilíbrio entre tecnicidade e uma profunda reflexão sobre os impactos das decisões do tribunal. Em sua fala, Mendonça sublinhou os perigos de medidas que incentivem a remoção automática de conteúdos controversos. Segundo ele, tais medidas criariam uma espécie de “censura digital velada”, que poderia distorcer o princípio central da internet como espaço de diversidade e debate.
Ele recorreu a uma poderosa analogia para ilustrar sua tese: comparou o cenário a uma catedral permanentemente coberta por tapumes, ocultando das pessoas sua grandiosidade e detalhes. “Um sistema que induza a supressão automática de conteúdos seria como colocar tapumes permanentes. O que está por trás ficaria inacessível, e as pessoas seriam obrigadas a confiar na ideia de que um dia ali houve uma grande obra do espírito humano”, disse.
O advogado também resgatou uma passagem acadêmica citada em decisões anteriores do STF, na qual se afirma que a censura, mesmo quando nasce de boas intenções, inevitavelmente degenera em um modelo autoritário. Segundo ele, a imposição de restrições amplas e preventivas parte do pressuposto de que as pessoas não são capazes de discernir ou formar suas próprias opiniões. Mendonça concluiu destacando que “a democracia liberal que foi a solução do mundo para superar ciclos de autoritarismo e preconceito não pode ser ameaçada por um excesso de controle digital.”
Essa abordagem, ao mesmo tempo técnica e simbólica, reforçou a importância de um julgamento ponderado, capaz de equilibrar liberdade de expressão, segurança e direitos individuais.
Após as sustentações orais, iniciou-se a etapa das manifestações dos amici curiae, ou “amigos da corte” – especialistas e instituições que colaboram com o tribunal ao oferecer informações técnicas e análises relevantes ao julgamento. Entre os 17 amici curiae inscritos, nem todos conseguiram se pronunciar na primeira sessão, evidenciando a complexidade e o interesse que o caso desperta.
Expectativas e pressões
Uma advogada que acompanha o julgamento de perto – e que pediu anonimato – acredita que a decisão final pode não ser conhecida ainda este ano, pela possibilidade de algum ministro pedir vista do processo, o que interromperia o julgamento, possivelmente adiando-o para 2025.
Ela observou ainda a pressão da mídia para que o caso seja decidido rapidamente, dada sua relevância para o cenário político e social do país. Contudo, ressaltou que o ritmo do Supremo é imprevisível. “Não deve ser julgado este ano, mas vai saber… A pressão é grande”, afirmou.
O julgamento tem potencial de estabelecer parâmetros inéditos sobre a responsabilidade das plataformas digitais no Brasil, influenciando o equilíbrio entre liberdade de expressão e regulação de conteúdos online. As decisões do STF devem definir até que ponto essas empresas devem agir para coibir conteúdos controversos, preservando ao mesmo tempo a pluralidade de opiniões e os direitos fundamentais.
Enquanto o tribunal avança no debate, fica claro que a discussão vai além do jurídico: trata-se de um momento crucial para o futuro da comunicação digital e para os limites da regulação no ambiente virtual. O resultado terá impacto duradouro não só nas plataformas, mas também na relação da sociedade com a liberdade de expressão.