Humberto Costa
Daqui a poucos dias, os brasileiros irão assistir, seguramente estarrecidos, a um dos episódios mais injustos da história do país. Alvo de um julgamento discriminatório e sem fundamento, a presidenta da República poderá ser destituída do seu cargo, sem motivo e sem justificativa. Uma presidenta que não cometeu crime algum, que foi eleita pelo voto de mais de 54 milhões de eleitores, que deu continuidade a conquistas e avanços significativos no campo social e no campo trabalhista. Dilma Rousseff (PT) pode vir a protagonizar um fato histórico, que, se confirmado, manchará as páginas da nossa jovem democracia e a biografia dos seus algozes, muitos dos quais réus em processos que correm na justiça.
Particularmente, tenho esperança, embora constate o quadro de grande dificuldade, de que esse erro seja revertido. Estamos conversando com senadores que se mostram sensíveis a dialogar e refletir sobre o momento político e sobre o que está para se fazer com a presidenta e com todos os que nela lhe confiaram a maioria dos votos na eleição de 2014. O Senado Federal pode cumprir com o seu papel constitucional e evitar uma injustiça histórica.
Ao longo de todo o processo de análise do impeachment, a bem da verdade, reconheçamos que o que menos se viu foi análise. Seja na Câmara dos Deputados, quando se autorizou a ida do processo para o Senado, numa sessão que ficou marcada como um circo de horrores que assustou a imprensa mundial pelo papel patético em que grande parte dos parlamentares se envolveu. Seja no próprio Senado, onde a maioria dos senadores, independentemente dos argumentos apresentados, já estava de decisão tomada na sessão em que se votou o afastamento provisório e a pronúncia da presidenta.
Um pequeno, mas combativo, grupo de senadores comprometido com a democracia tem trabalhado intensamente para mostrar o quanto de kafkiano há nesse processo: uma mulher que não cometeu crimes é acusada de crimes que não existem. Esse exército de Davis vem desenvolvendo um trabalho hercúleo diante dos Golias famintos e com sangue nos olhos, prontos para derrubar no grito a vontade expressa do eleitorado.
A verdade é que esses senadores, os opositores que agora formam a base do governo interino, estão ali para consolidar a rejeição que partidos como o PSDB, o DEM e o PPS nutriam pelo resultado das eleições desde que as urnas proclamaram o PT como vencedor pela quarta vez consecutiva na disputa pela Presidência da República. Para a nossa decepção, parte do PSB, partido que sempre militou no campo progressista, também acabou engrossando as fileiras do golpe.
E não dá para escamotear. Temos que usar português muito claro. A palavra golpe é sim apropriada e traduz o que estamos vendo acontecer ao país e ao governo eleito. Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe, ainda que não queiram reconhecer setores da grande mídia, do Judiciário e do Ministério Público, do empresariado, do Congresso Nacional e dos partidos derrotados em 2014. Foi uma trama urdida por um presidente da Câmara que acabou afastado por delinquência e ameaça levar com ele boa parte dos que aplicaram esse golpe na presidenta Dilma –a começar pelo vice-presidente, alçado a presidente interino, sem representatividade, sem voto e sem estatura moral para o cargo.
Michel Temer, que anda escondido, vive nas sombras e com medo de encarar o povo, está fazendo tudo para merecer o seu lugar de destaque no lixo da história. Conspirou abertamente e agiu de forma decisiva, em conluio com Eduardo Cunha, para derrubar a vontade dos eleitores. Está agora devolvendo o favor que recebeu dos que lhe ajudaram no golpe.
Faz um governo interino que tem por norte destruir, um a um, todos os avanços que o Brasil e os trabalhadores obtiveram nos 13 anos de governos do PT, de Lula e de Dilma. Destrói a educação, cortando verbas, vagas e programas como o Ciência sem Fronteiras. Privatiza a saúde, devolvendo o protagonismo que as empresas privadas tinham nas eras tucanas. Trucida programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. Enfim, realiza o programa de governo que jamais seria escolhido pelo povo, se tivesse sido anunciado em uma campanha eleitoral. O programa dos empresários da Fiesp, do PSDB e do DEM.
O impeachment é isto. Sem tirar nem pôr. É contra isso que nos opomos. É isto que temos de evitar.