Cleide Silva
Na semana em que o governo reviu o rombo fiscal de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões, o presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, diz que, ao contrário do que muitos esperam, a medida não evitará alta de impostos.
“Não vamos escapar disso. Demoramos demais a fazer as reformas e vai faltar dinheiro para políticas essenciais.” A seguir, trechos da entrevista.
Como o sr. avalia a mudança na meta fiscal?
Reflete a severidade da situação do País. Não foi uma surpresa. O preocupante é que a causa dessa situação é o aumento recorrente das despesas obrigatórias, por força de lei, como as regras de reajustes, que vêm aumentando há quase três décadas nos governos federal e estaduais. Esse gasto cresce mais que o PIB há muito tempo. Esse imenso conjunto de leis e obrigações diz quanto e como gastar. Ou fazemos discussões profundas sobre reformas estruturais para interromper esse crescimento ou teremos aumentos recorrentes da carga tributária.
De 2014 a 2020, vamos acumular um déficit de R$ 818 bilhões. O que isso significa para o País?
Haverá perda de espaço para a política pública, para o investimento, carência de recursos para áreas como ciência e tecnologia, para programas sociais. Isso prejudica o País e a volta do crescimento. Poderemos ver a falta de capacidade de aumentar o salário mínimo, de fazer políticas que são comezinhas em qualquer lugar porque acabou o dinheiro. O mesmo ocorre com governos estaduais. Sofrem funcionários, universidades e se espalha. Está no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Brasília. E outros Estados terão dificuldades.
Como chegamos a esse ponto?
Para além do problema estrutural, houve incontáveis erros de política econômica. O governo anterior expandiu subsídios, desonerações, criou políticas públicas sem avaliar impactos. O atual, no ano passado, com a maior recessão da história e o maior desemprego desde os anos 70, concedeu aumento para servidores e agora tem de voltar atrás. Além disso, errou na avaliação de como a economia ia se recuperar. E não errou sozinho, pois diversos economistas falavam em uma recuperação mais rápida. Há uma recuperação, mas não como se esperava. O governo errou, por fim, em se comunicar mal com a sociedade. Deveria ter explicado melhor sobre o tamanho do problema – por exemplo, sobre a Previdência -, a necessidade de ajustes e como fazê-los.
O que mais o governo poderia fazer para conter o rombo?
Essa forma de tratar os problemas, um de cada vez, pode ter vantagens na execução, mas perde na clareza. Por exemplo, quando se fala de Previdência, assistência social e dos servidores, não é um tema só. Há leis específicas, programas sociais que somam e alguns que fracassam. Não seria a hora de fazer uma avaliação e terminar ou rever o que não funciona? Programas de incentivo a conteúdo nacional funcionam? Os setores que o governo apoiou mais fortemente no passado hoje estão em grave dificuldade: óleo e gás, indústria naval, a intervenção no setor elétrico. O governo passado atendeu a pedidos de diversos setores. O resultado é a crise em que eles se encontram. Mas eles não podem reclamar muito porque são sócios da culpa, foram cúmplices do projeto e o resultado a gente está assistindo.
Elevar imposto é uma saída?
Não vamos escapar disso. Demoramos demais para fazer as reformas E mesmo aumentando a meta faltará dinheiro para políticas essenciais. Seria melhor que não fosse assim, mas é o custo por demorarmos a reconhecer os problemas. Todos teremos de ir para o sacrifício. Teremos de pagar mais imposto e trabalhar mais para nos aposentar. A questão é como fazer o processo de maneira socialmente justa e equânime, tratando iguais como iguais e protegendo os vulneráveis.
O sr. acha que a reforma da Previdência vai avançar?
A população aposentada cresce 3,5% ao ano. A que trabalha está crescendo 0,7% e em poucos anos vai parar de aumentar. A estimativa é de que em três décadas haverá 6% a menos pessoas trabalhando e 250% a mais de pessoas recebendo benefícios da Previdência. Um número menor de trabalhadores vai sustentar um número duas vezes e meia maior de aposentados. A reforma é urgente.
Por que há tanta resistência?
O que me surpreende é como os grupos resistem em participar do sacrifício para tirar o País da crise. Há uma série de privilégios disseminados na economia. Tem gente com acesso a crédito subsidiado do BNDES, que paga pouco imposto, que é protegido da concorrência externa. Há pessoas que podem se aposentar mais cedo, que têm benefícios maiores, outras que pagam seu aluguel, sua educação. E há pessoas que, além do salário, recebem auxílio-moradia. É um país onde é disseminada a meia-entrada. É preciso ficar claro que, se preservar o privilégio de A, os demais vão pagar.
A resistência em relação à nova taxa de juros do BNDES, a TLP, vai nessa mesma linha?
Vários grupos empresariais se manifestaram contra, ao mesmo tempo em que reclamam de aumento do imposto. Estamos numa crise fiscal, está faltando dinheiro para coisas essenciais, mas tem gente que não quer pagar mais imposto, não quer que tire o subsídio do BNDES. Conceder subsídios via BNDES à empresa privada tira dinheiro do resto da sociedade.
O pacote fiscal deve ser aprovado?
Depende da capacidade do governo em prestar contas e explicar o planejamento fiscal. Boa notícia é que acordou para o problema e começa a enfrentá-lo. Má notícia é que vai precisar de muito mais medidas para sairmos de onde estamos.
Que cenário podemos esperar daqui para frente?
Se iniciarmos a agenda fiscal e as reformas, poderemos começar uma agenda republicana de igualar as regras, reduzir distorções. Há muitas oportunidades de crescimento. Há uma produtividade latente que pode crescer. A gente consegue construir um ambiente tributário saudável, com impostos simples e claros e ter um período longo de crescimento. Ou podemos insistir nos erros do passado. Os anos 50 deram a crise dos anos 60. Os anos 70 deram a crise dos anos 80. Os últimos 10 anos deram a crise atual. Podemos repetir pela quarta vez o mesmo caminho.