A divisão entre esquerda e direita, liberal e conservador, ou socialista e comunista, deixou de ser uma ferramenta útil para entender o cenário político e social atual. Em vez disso, essa polarização forçada tem se tornado um artifício que gera uma perigosa divisão entre cidadãos, criando uma falsa dicotomia que leva à hostilidade e à alienação. Essa separação artificial, que posiciona as pessoas como inimigos por estarem “de um lado ou de outro”, enfraquece o debate público e prejudica a construção de soluções pragmáticas para os desafios contemporâneos.
A origem dessa divisão remonta à Revolução Francesa, no final do século XVIII, quando os membros da Assembleia Nacional se sentavam de acordo com suas posições políticas: os que defendiam o rei e os privilégios da aristocracia à direita, e os que buscavam mudanças radicais à esquerda. Essa disposição física foi o marco inicial das designações “direita” e “esquerda”, que gradualmente se associaram ao conservadorismo e ao progressismo, respectivamente. Contudo, o que começou como uma simples localização geográfica na sala de debates rapidamente ganhou uma conotação ideológica que foi expandida para além do seu contexto original.
No entanto, essas classificações se mostram fluidas e mutáveis ao longo da história. Um exemplo claro disso é o caso dos Estados Unidos no século XIX, onde o Partido Republicano de Abraham Lincoln, hoje visto como conservador, liderava a luta pela abolição da escravatura, enquanto o Partido Democrata, na época, defendia os interesses dos grandes proprietários de escravos. Esse cenário seria impensável pelos padrões ideológicos de hoje, mas demonstra como os rótulos políticos são maleáveis e dependem do contexto histórico e social.
A aplicação rígida desses conceitos antigos ao cenário contemporâneo ignora o fato de que as ideologias políticas evoluem com as demandas da sociedade. Separar as pessoas entre “esquerda” e “direita” serve apenas para aprofundar a polarização social, enquanto, na prática, muitas das posições adotadas por indivíduos ou partidos não se encaixam perfeitamente nessas classificações. Vemos exemplos disso em todo o mundo. Na China, um partido comunista conduz uma política econômica de mercado, algo que tradicionalmente estaria fora do escopo de um regime socialista. Já na Europa, muitos partidos conservadores apoiam políticas de bem-estar social que, em outros países, seriam vistas como progressistas.
A verdadeira consequência dessa polarização é a criação de uma mentalidade de “nós contra eles”, que transforma o debate político em um jogo de adversários e não de ideias. Essa abordagem maniqueísta coloca os cidadãos uns contra os outros, onde quem não está “do meu lado” se torna automaticamente um inimigo, e não alguém com quem eu poderia dialogar. O resultado é o enfraquecimento do debate público, já que a discussão se foca em identidades ideológicas e não nas soluções práticas para os problemas.
O mundo moderno exige uma nova maneira de pensar, que ultrapasse esses rótulos ideológicos. A política atual é muito mais complexa e não pode ser reduzida a um simples binarismo. A insistência em classificar tudo como esquerda ou direita não faz justiça à realidade política global. Países com sistemas políticos diversos mostram que as políticas públicas e as soluções para os problemas atuais raramente se alinham com as antigas noções de esquerda e direita. As decisões políticas deveriam ser baseadas em dados, pragmatismo e no bem comum, e não nas bandeiras ideológicas que criam divisões desnecessárias.
Em vez de buscar classificar as pessoas ou suas ideias dentro de rótulos antiquados, é essencial que o debate público se concentre nas questões que realmente importam. A falsa dicotomia entre esquerda e direita deve ser abandonada, pois seu principal efeito tem sido fragmentar a sociedade e enfraquecer a coesão social. O que está em jogo não é uma luta entre ideologias, mas a capacidade de encontrar soluções eficazes para os problemas contemporâneos.
Dessa forma, é preciso transcender esses rótulos ideológicos que têm raízes em um contexto histórico específico e que, hoje, mais dividem do que explicam. Abandonar essa divisão artificial é fundamental para promover um debate público mais saudável, em que cidadãos, em vez de adversários, se vejam como parceiros na construção de uma sociedade mais justa e próspera.