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Comandante brasileiro da tropa de paz vê crise no Congo ‘pelo avesso’

O general brasileiro que comanda as forças de paz da ONU na República Democrática do Congo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, disse que o foco militar de sua missão mudou. Depois da derrota no ano passado de um grupo contrário ao governo congolês e supostamente apoiado por Ruanda, o objetivo atualmente é combater grupos rebeldes que controlam atividades irregulares de mineração, comércio e pesca no país.

Esses grupos são o FDLR (Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda), ruandês de etnia hutu e o ADF (Forças Democráticas Aliadas), de Uganda. Oficialmente ambos usam irregularmente o território congolês como base para lançar ataques contra seus países de origem.

Mas segundo Santos Cruz, a análise puramente política do cenário não é suficiente para explicar a crise na região e a força desses grupos.

Segundo ele, ambos controlam lucrativas redes de exploração irregular de recursos do Congo, principalmente a mineração (especialmente do ouro, mas também de carvão, diamantes, cobalto e cobre) e a pesca na região dos Grandes Lagos.

A exploração desse alto volume de recursos acaba sendo tão ou mais atraente a esses grupos quanto seus objetivos políticos, de acordo com analistas.

Segundo o general, esse fator, aliado às grandes distâncias e à inacessibilidade da região – a maioria dos rebeldes está distribuída em pequenos grupos escondidos em montanhas ou florestas -, torna a missão ainda mais difícil.

Missão de paz

O brasileiro Santos Cruz assumiu em junho do ano passado o controle da Monusco, a missão de paz da ONU no Congo, com uma autorização sem precedentes para usar força letal contra os cerca de 200 grupos rebeldes que atuam no país.

Em novembro de 2013, o então maior grupo armado do país, chamado M23, foi derrotado e se rendeu após sucessivas ofensivas conjuntas do Exército do Congo e das tropas de Santos Cruz.

Segundo evidências levantadas pela ONU, esses rebeldes recebiam uma forte ajuda militar e financeira do governo da vizinha Ruanda – fato negado pelo governo do presidente Paul Kagame.

Cerca de um mês depois, a ONU começou a voltar suas operações militares contra o FDLR, a principal rival do extinto M23.

“A primeira prioridade nossa é o FDLR, que é um grupo (que atua) dentro do Congo com o objetivo de derrubar o governo de Ruanda”.

Integrantes do movimento, de maioria étnica hutu, entraram ilegalmente na República Democrática do Congo após o genocídio praticado contra tutsis em 1994.

Eles se organizaram em um grupo militar a partir dos anos 2000, para conspirar contra o governo de Ruanda – que chegou a invadir o leste do Congo em 2003 para tentar eliminar o grupo.

Segundo Santos Cruz, o FDLR tem hoje entre 1.800 e 2.000 combatentes espalhados em uma área rural e de selva nas províncias Kivu Norte e Kivu Sul, no extremo leste do país.

“Militarmente é um grupo que não é forte, eles estão espalhados em uma área muito grande, são numerosos, mas é um grupo que tem uma influência política exatamente por essa animosidade com Ruanda”.

Uganda

Enquanto as forças do Congo e da ONU direcionavam seus recursos para combater o FDLR, um grupo de Uganda passou a realizar uma série de ataques à população civil próximo à fronteira dos dois países, porém do lado congolês.

Em um dos ataques no fim do ano passado, cerca de 300 pessoas foram sequestradas e permanecem desaparecidas, apesar dos esforços das forças de segurança para encontrá-las.

As agressões provocaram desde o meio do ano passado a formação de ondas de refugiados que vêm cruzando as fronteiras de Uganda em busca de refúgio.

Segundo Santos Cruz, um dos objetivos da ADF é derrubar o governo em Uganda e assumir o poder.

“Além dos contratos ilegais na área de comércio, é um grupo que atua de maneira muito violenta contra a população”.

“Aqui se tem o costume, uma coisa cultural, de querer se manter pelo terror, querer ser importante pelo terror. Então você tem uma quantidade imensa de atrocidades”, disse o general brasileiro.

“São grupos com características diferentes de atuação, mas todos eles são ligados a atividades comerciais ilegais. Na realidade eles têm um interesse financeiro”.

Julgamento

Começaram nesta semana as audiências preliminares do julgamento de um dos acusados de crimes de guerra mais procurados pelo Tribunal Penal Internacional: o general Bosco Ntaganda, o “Exterminador” – um dos supostos ex-líderes do M23.

Ele se entregou no ano passado em meio ao enfraquecimento do grupo rebelde. Mas as acusações, de crimes como assassinatos, remoção ilegal de populações de suas casas, estupros, pilhagem e recrutamento de crianças-soldado, são ligadas a seu envolvimento com outro grupo rebelde, a União dos Patriotas Congoleses, que atuava no Congo entre 2002 e 2003.

A maioria dos membros do M23 depôs suas armas e se entregou oficialmente no início de novembro de 2013, após o sofrimento de pesadas derrotas militares para o Exército da DRC e da Brigada de Intervenção da ONU.

Porém, segundo Santos Cruz, ainda há um baixo nível de perigo de que o grupo volte a se mobilizar. Para evitar que isso aconteça, as forças da ONU têm intensificado o monitoramento das áreas que o grupo costumava ocupar.

“O M23 foi derrotado e depois assinou um acordo com o governo onde eles renunciam à luta armada. Mas temos que ficar sempre atentos por aqui, porque é uma área muito instável e às vezes aqueles que assinam pelo grupo não o representam totalmente”, disse o brasileiro.

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