Sempre estive longe das aventuras vividas pelo povo CB** (sangue bom) do subúrbio do Rio de Janeiro ou das periferias de qualquer cidade grande do país. No entanto, aprendi com um chefe e mega conhecedor das leis que, melhor do que o povo, só o povo. Por isso, me considero um escrevinhador do povão, aquele que tem algum interesse pelo circuito Elizabeth Arden, mas é muito mais simpático ao estilo Indiana Jones. De forma mais clara, é prazeroso poder passear pela Champs Elysée ou pela Rua 46, mas, se tiver opção, opto com tranquilidade pelo churrasco de coração bovino nas ruas de Santa Cruz de La Sierra. Melhor ainda é um huevo muele com pan (meu espanhol é macarrônico) nas tabernas sombrias e fétidas de Havana.
Sou daqueles que adoram quando o amigo de infância se despede diplomaticamente e com o célebre à francesa: “Meu irmão, F, O, I, fui“. Sem preocupação com a redundância, que maravilha a simplicidade assustadora dos mais simples. É o povo que não espera prêmios bilionários de loterias. Também não se incomoda em ficar duas horas no trem ou no buzão para chegar onde se ganha o pão. Para voltar são mais duas horas de pagode, frango com farofa, um pinguinha às sextas-feiras e muita, muita parceria diária. É nas conduções que a turma chora as pitangas, fazem vaquinha e tudo termina em pizza. Fora os chatos de galocha, os 171 e os amigos da onça, a maioria forma relações de amizades duradouras, algumas transformadas em casamentos simplórios, mas felizes.
O trem é um corredor polonês. Nele, o teto, as janelas e as chupetas têm ouvidos. A passagem não custa os olhos da cara. Daí a grande procura. Eita povo danado de bom! Sem eira nem beira, com ele não tem nove horas. Chega o fim de semana, um negócio da China, é hora de mudar da água para o vinho, de ter o rei na barriga. Sábado ou domingo tem reunião na Casa de Mãe Joana. É o dia de chutar o balde, rodar a baiana, esquecer o calcanhar de Aquiles e bola pra frente. Não tem din din. É época das vacas magras. Azar do dono da birosca. Põe a conta da cerva no prego. No fim do mês, mesmo que a vaca tussa, o povo é salvo pelo gongo. Holerite na mão, a turma do barulho tira o cavalinho da chuva e entrega de bandeja pelo menos dez por cento do que ganha nos dedos do seu Mijaro Narrua, o velho e ranzinza portuga do bar da esquina.
Sem juros ou correção monetária, pagam a despesa e o pato, pois são obrigados a também pagar uma para o santo. Seu Mijaro põe a mão no fogo por quase todos os seus “clientes”. São cumpridores de deveres, não metem o bedelho na vida alheia e tiram de letra qualquer adversidade. Foram criados para isso. Falta tudo, mas sobra a vontade de tomar um mé, dar um rabo de arraia na preocupação, uma rasteira no patrão, um amasso na nega e correr para o abraço. Como fogem dos santos do pau oco, normalmente moram onde Judas perdeu as botas. Trabalham de sol a sol, acreditando piamente que, de fato, de grão em grão a galinha enche o papo. Jamais colocam a carroça na frente dos bois, dão a cara a tapa e raramente estimulam os filhos e netos a experimentarem o seu veneno.
A expectativa é de que os pimpolhos um dia tirem o pai da forca. A maioria do povo simples não tem tempo para pensar na morte da bezerra. Por isso, vivem felizes e não reclamam da vida como madalenas arrependidas. Se falta o cão, caçam com gato. Na ausência da picanha, comem jerimum, jiló, feijão de corda com farinha e um ovo “estrelado” em cima. O que falta dizer é que o poder do povo é bem maior do que o das pessoas que estão no poder. Como disse Nicolau Maquiavel, “para bem conhecer o caráter do povo é preciso ser príncipe. E para conhecer o caráter do príncipe é preciso pertencer ao povo”. Com muita honra e orgulho, sou povo e príncipe dos meus próprios sonhos. Minha filosofia de cabeceira é que a riqueza de uma nação se mede pela riqueza do povo e não pela dos príncipes”.
Eu me coloco em chamas, mas não abro mão da camisa da Citycol, apesar de a etiqueta estampar a marca de um cavalinho famoso. É só para inglês ver. Sou do improviso, um dom que poucos conseguem alcançar. Tenho fé a dar com pau. Eis a razão porque afirmo que o pior cego é aquele que não quer ver que a paciência do povo é a manjedoura dos tiranos. Venho dos tempos de Maria Cachucha. Segurei vela e já fiz coisas do arco da velha, inclusive rodar no arco das velhinhas. Só não fiz o que não tinha de fazer. Por exemplo, mantenho o pregueamento sem rupturas. Como brancos, eles que se entendam, mas repito uma frase aprendida na escola primária: “Líderes vão e vêm, mas o povo permanece. Em outras palavras, apenas o povo é imortal”. Seja na Champs Elysée, na 46, em Santa Cruz de La Sierra ou na velha e abandonada Rua da Carioca, a língua do povo é minha alma. Às vezes, a uso para afiar Maria Cachucha. F, O, I, fui.
**Matéria atualizada às 10h49 para correção de informação