Sou absolutamente leigo nos campos da psiquiatria e da psicologia. Também sou neófito na quiromancia, astrologia e afins. Por isso, minhas escusas por não conseguir entender a mente e as reações de pessoas que, mesmo contra a vontade, precisam ter paciência, serenidade e autocontrole no trato com o semelhante. A análise se complica quando o analisado é um servidor público do altíssimo escalão, do tipo presidente da República. Claro que ninguém espera passividade extremada quando esse cidadão é açoitado, xingado ou apelidado jocosamente. O problema é que a aplicação é justamente no caminho inverso. Não é crível, normal, tampouco aceitável que o homem que fala pelo país, que nos representa em salões internacionais, não tenha postura condizente com o cargo que ocupa e, pior, que pretende continuar ocupando.
Natural que o abandono, o isolamento e a falta de apetite do eleitorado incomode quem até bem pouco tempo se achava invencível. Vale ressaltar que o cidadão em questão foi o único causador dessa catástrofe eleitoral que se avizinha. Seus arroubos contra tudo e todos, as ameaças e xingamentos àqueles que ousam contrariá-lo, além do teimoso negacionismo em relação à Covid-19, foram as principais razões dessa crescente e irrecuperável perda de votos. Em resumo, se enforcou com a própria corda. Acho que terei de recorrer ao além para tentar entender porque o mesmo eleitor que, em 2018, votou em um contra o outro está pronto para, em outubro próximo, votar no outro contra o um. Talvez seja a tal lei de causa e efeito.
Seja o que for, como achar normal um candidato à Presidência se dirigir a eventuais futuros eleitores (ou não) de forma hostil, grosseira, antidemocrática, depreciativa e por vezes humilhante? Foi o que fez semana passada o opositor de Luiz Inácio na disputa pala cadeira mais cobiçada da República. No rosário de disparates contra segmentos de brasileiros que merecem respeito, o outrora mito não se limitou a se dirigir aos esquerdistas como “desprovidos de inteligência” e “sem cérebro”. Talvez não tenham mesmo, mas certamente têm respeito pelo próximo, carisma indecifrável, sabedoria política, preparo administrativo, reconhecimento internacional e, principalmente, votos para enterrar definitivamente a direita esperta e inteligente, mas sem qualquer noção do que seja governar um país.
Mais do que difamar a esquerda, de onde tirou alguns bons votos em 2018, soa como piada um presidente que tenta se reeleger se indispor com o eleitorado feminino, gratuitamente rotular o povo nordestino de “paus de arara” e ironizar o desastre da obra do metrô em São Paulo. Não parece inteligente para quem acha “desinteligente” o candidato que está entre 10 e 15 pontos percentuais cutucar os mais de 40 milhões de eleitores do Nordeste (27,01% do total nacional). Provavelmente os sonhadores e fanáticos apoiadores do mito prazerosamente aplaudiram esse último showzinho, avaliado nos salões paroquiais, nas mesas de botecos refinados e na lutadora periferia como mais uma aberração presidencial. Tudo indica que o show não deve continuar.
Pelo menos com esse enredo de achincalhes a nordestinos, mulheres, imprensa e eleitores que se cansaram do nada fiz porque nada sei fazer. O teatrinho do governo está por um fio. Demorou, mas, embora sem inteligência, o público acordou da sonolenta e mentirosa encenação e caminha celeremente para esvaziar o palco. A trupe está perdida e tenta mudar o cenário a qualquer custo. O primeiro ato da nova peça – a farofada com frango – não deu certo. Difícil recuperar o pior triênio da vida da maioria dos brasileiros. Entretanto, muito fácil para essa mesma maioria votar bem para evitar que o Brasil encerre o novo ano como a pior piada política desde o impeachment de Fernando Collor de Mello. Chega de bizarrices e disparates. Vamos em busca de nova direção.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978