Alojados em São Sebastião
Brasília abre as portas para uma nova leva de Venezuelanos
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emVeronica Gabriel Castañeda, de 19 anos, partiu da Venezuela grávida de cinco meses, por julgar que no país as violações de direitos e o colapso econômico que testemunhava não acabariam tão rapidamente. Além de interromper a graduação de biologia, a jovem, em agosto de 2017, deixou sua mãe e uma irmã para migrar para o Brasil, na companhia do marido, o administrador Robert Antonio Rodrigues, 28 anos, quatro dias depois de celebrar seu casamento.
O casal chegou nesta quinta (20) ao Distrito Federal, em mais uma etapa da chamada interiorização de imigrantes, e relatou à reportagem da Agência Brasil que o que mais os entristece é a separação de seus pais e avós, mesmo já tendo formado seu próprio núcleo familiar.
Os três integram o grupo de 46 migrantes venezuelanos que estão sendo transferidos, nesta quinta-feira, de Boa Vista para a capital federal. Todos serão auxiliados por equipes da organização internacional Cáritas, que, em parceria com o governo federal e o Departamento de Estado dos Estados Unidos, desenvolve o programa Pana, em sete capitais do país.
A vinda da jovem materializou-se com uma dose extra de sofrimento, pois sua mãe se opunha à decisão. “Se fosse por mim, eu traria minha mãe e minha irmã. Minha mãe, porém, tem seu trabalho. Ela é enfermeira e diz que não deixa seu país nem seu trabalho. Penso em trabalhar bastante, para poder trazê-la. Faz uma semana, mais ou menos, que liguei para ela e disse que ia vir para Brasília. Ela disse: ‘Você tem que trazer minha neta’ e só. Outro dia, liguei para minha avó. E ela falou: ‘Olha, cuida da tua filha, que eu não vou conhecê-la.’ Foi uma palavra forte. Forte mesmo. Você pensa que tua família não vai te ver de novo pela situação”, disse Veronica, enquanto ninava a filha, no interior do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) de São Sebastião.
Verônica conta que seu marido e ela estão há um ano e quatro meses no Brasil. “É difícil vir, deixar tuas coisas, tua família, para ir para outro país. A gente veio para o Brasil porque era o mais perto, não podia ir a outro [país] senão para o Brasil. Não foi fácil, a gente fez o possível. A gente alugou [imóvel], comeu, tudo com nosso esforço. Tem pessoas que não têm sorte de encontrar um brasileiro para ajudar”, disse.
Mercado de trabalho – Segundo o casal, seu plano é permanecer no Brasil, com dignidade e uma maior autonomia, conquistada por meio do trabalho. “Eu estava estudando licenciatura em biologia lá e meu marido também estava estudando, mas para uma segunda carreira. Ele era administrador em uma agência de turismo, mas estava estudando gestão de recursos humanos”, disse Veronica.
Robert disse que todos que estão migrando é porque querem algo melhor para si e para a própria família. “A gente não vem roubar emprego de outra pessoa, a gente vem fazer a vida com as outras pessoas”, disse.
Na avaliação do assessor nacional para Migrações e Refúgio da Cáritas, Wagner Cesário, um dos aspectos essenciais para que os imigrantes e refugiados que vêm ao Brasil sejam, de fato, acolhidos reside, justamente, na conquista de uma colocação no mercado de trabalho.
“Eles estão sendo acolhidos pelas nossas equipes, que são multidisciplinares. Psicólogos, educadores sociais, assistentes sociais, advogados que dão esse suporte, porque entendemos que é mais do que interiorizar, é integrar. A partir dos serviços de saúde, educação, assistência social e, principalmente, a partir da realidade laboral, porque muitos vêm e querem ser inseridos no mercado de trabalho. Por isso, é preciso, por parte da sociedade, essa abertura também”.
Receptividade – Foi devido à receptividade dos moradores de São Sebastião que a cidade foi definida como base do Pana no Distrito Federal, pois o programa também garante acomodação das famílias venezuelanas em imóveis alugados pelos próximos três meses.
“No período, aqui em Brasília, que antecede a chegada deles, já recebemos 55 pessoas e temos percebido que a comunidade de São Sebastião foi muito acolhedora. Essa comunidade, pelo perfil socioeconômico, já favorecia essa integração. Depois, fazendo campanhas, mobilizações nas paróquias, nos espaços eclesiais, percebemos um envolvimento ainda maior das pessoas oferecendo alimentos, roupas, sapatos e, mais do que isso, na própria acolhida, elas foram e receberam apoio”.
Cesário disse que a comunidade está presente no processo de integração, o que é muito importante para que pessoas que estavam em um quadro de vulnerabilidade possam ganhar autonomia, condições melhores de vida.
A responsável pelo setor jurídico da Cáritas, Thamyres Lunardi, diz que um quinto do primeiro grupo está empregado, porém, embora muitos empregadores estejam procurando a entidade para oferecer vagas, é preciso respeitar os direitos trabalhistas vigentes no Brasil e dar o mesmo tratamento aos venezuelanos.
“Muitas pessoas procuram a Cáritas, por conhecer a organização, nos ligam querendo oferecer trabalho, muitas vezes com boa intenção, mas as condições apresentadas não são as indicadas, dentro do nosso direito do trabalho. O programa não visa tutelar as pessoas, mas, se vamos fazer alguma indicação de trabalho, temos que saber essas condições. A gente tenta fazer uma triagem, cuidando para que todas as partes estejam protegidas: o empregador e as pessoas que estamos acolhendo.”
Embora tenham aproveitado a oportunidade de vir a Brasília e tentar amenizar o sentimento de insegurança que persistia, Veronica e Robert dizem que seu plano é fixar residência em Curitiba, lugar que, visto somente por fotografias, já os encantou. Sobretudo Veronica, que agora pretende trocar, em definitivo, a litorânea Cumaná pela capital paranaense.
“Eu estou feliz, porque estou falando dois idiomas. E tenho uma filha brasileira. Sim, lá em Boa Vista foi um pouco duro para nós, viver em um abrigo, vendo muitas pessoas morando na rua, mas penso que tudo isso vai passar.”