Cerca de 400 mil turistas brasileiros e 200 mil estrangeiros são esperados em Brasília, uma das 12 cidades-sede da Copa, durante o Mundial de futebol, segundo cálculos da Secretaria de Turismo do Distrito Federal.
O receio é de que a elevação do número de turistas tenha reflexos no aumento da exploração sexual de crianças e adolescentes. O Entorno do Distrito Federal registra pontos conhecidos de exploração e a proximidade da Copa preocupa os moradores.
“Aqui no Valparaíso, na BR-040, passam muitos caminhões, e tem algumas ruas que dão acesso a motéis. Quando a gente passa lá à noite, realmente vê muitas crianças, muitos pré-adolescentes. Acredito que a população acaba se acomodando muito em relação a isso [exploração sexual de crianças]”, diz Rosângela Ferreira, moradora da região.
A BR-040 é uma das principais rodovias do Centro-Oeste. É por lá que parte dos turistas deve passar para chegar à capital federal e a outras sedes da Copa no Brasil. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) mapeou pontos prioritários para garantir a proteção de crianças e adolescentes.
Segundo o inspetor Daniel Bonfim, a corporação está atenta ao problema. “Há uma preocupação com a quantidade de crianças que nós vemos nesta situação. Uma situação de risco, uma situação vulnerável. Há uma preocupação da Polícia Rodoviária Federal com relação ao aumento da exploração sexual de crianças e adolescentes neste período da Copa.”
Para melhorar a segurança, o governo do Distrito Federal criou o Comitê de Proteção à Criança, que entrou em ação na Copa das Confederações. No entanto, a subsecretária de políticas para a Criança, Maura Souza, relata vários casos de direitos violados durante o campeonato.
“Teve muito registro de negligência, alguns casos de desaparecimento e a questão do uso abusivo de álcool. Tinha que atender esses adolescentes e encaminhar para a saúde, fazer contato com a família e envolver o Conselho Tutelar.”
Durante a Copa das Confederações, outro tipo de violência foi registrado em relação a pessoas em situação de rua, expulsas da área central de Brasília, nas proximidades do estádio, durante os jogos. Um adolescente de 15 anos, que foi morar nas ruas após desentendimento com o padrasto, relata situações de violência policial e teme que a situação se repita na Copa, este ano.
“Os ‘cana’ já me jogaram de cima da ponte, porque eu estava lá na rua. Perguntou se nós já ‘sabia nadar’, eu falei que sabia e ele me jogou de cima da ponte. Não machuquei porque deu tempo de eu virar o corpo porque se eu não virasse não era para eu estar aqui não.”
A exploração do trabalho infantil durante a Copa do Mundo é outro fator preocupante. O caso mais polêmico surgiu depois que o Conselho Nacional de Justiça liberou crianças a partir de 12 anos para serem gandulas. Uma das marcas patrocinadoras da Copa treinou adolescentes de 13 a 16 anos para trabalharem no Mundial.
A vontade de participar da Copa é tão grande que um dos adolescentes selecionados para ser gandula diz que não quer perder a chance de ir para o Mundial.
“Muito bom poder participar de uma Copa do Mundo, quem não queria estar no nosso lugar? Acho que isso [polêmica a respeito da idade das crianças] é besteira. Pra mim, só não podia abaixo de 8 anos. Tem que observar muito o jogo, porque às vezes a bola sai, você está lá dormindo e o cara briga com você. Você tem que sair e aí não pode mais ser gandula.”
Já o coordenador nacional de combate à exploração do trabalho de crianças e adolescentes do Ministério Público, procurador Rafael Dias, critica a decisão.
“A atividade de gandula é considerada uma das piores formas de trabalho infantil. É uma atividade que traz riscos muito grandes para a infância e que sujeita a criança à exposição excessiva de raios ultravioletas, à possibilidade de bolada, a pressão psicológica da torcida”, critica.
Em vez do trabalho, o esporte. Para a coordenadora dos Centros Olímpicos do Distrito Federal, Ricarda Lima, o esporte é um instrumento importante na vida das crianças, um direito garantido pela Constituição Federal.
“Não tenho a menor dúvida de que diminui a exposição a drogas, que contribui para a melhoria no desempenho escolar, melhora a autoestima. Sem falar na saúde física e emocional”.
Na capital federal, são 11 centros olímpicos que atendem 40 mil pessoas por ano – entre crianças, adolescentes, adultos, idosos e pessoas com deficiência -, inclusive no fim de semana.
O projeto que deu origem a esta reportagem foi vencedor da Categoria Rádio do 7º Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, realizado pela Andi, Childhood Brasil e pelo Fundo das Nações Unidos para a Infância (Unicef).
Liliane Farias, ABr