Brasília já tem mel em fartura, mas ainda falta o leite prometido por Dom Bosco
Publicado
emJade Abreu
Em 1883, Dom Bosco previu que, entre os paralelos 15 e 20 do Hemisfério Sul, surgiria uma terra prometida onde jorraria leite e mel. O ponto descrito na profecia é Brasília, e o sacerdote é considerado padroeiro da capital. Não se pode dizer que o clérigo errou: a apicultura brasiliense é uma das mais reconhecidas no País e, durante 14 anos, o mel levou os títulos nacionais de mais puro e com o melhor pólen. O produto candango também é bicampeão internacional pela qualidade.
A cor e o sabor são diferenciados. Pelas características da flora do Cerrado, o mel silvestre tem composição que o deixa mais próximo do dourado. De acordo com o professor Osmar Malaspina, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista Rio Claro e especialista da Associação Brasileira das Abelhas, a variabilidade de plantas propicia as características únicas do mel brasiliense.
“É um bioma muito diversificado, e esse conjunto de plantas permite um mel diferenciado”, afirma. Em Brasília, o alimento é feito, principalmente, a partir do pólen do cipó-uva, do angico, da aroeira e do assa-peixe.
Outro fator que favorece a apicultura brasiliense é o clima seco. “A umidade ideal é por volta de 17% e 18%, não pode passar disso porque fermenta. Então, a seca auxilia muito a produção”, explica Malaspina.
Títulos – Brasília sempre esteve em destaque pela produção de mel nas premiações do Congresso Brasileiro de Apicultura, a cada dois anos. De 1996 a 2010, foram sete títulos: cinco de melhor mel do País, um de segundo melhor mel cristalizado e outro de segundo melhor pólen. Em competições internacionais, a cidade foi premiada no 9º Encontro Ibero-Americano de Apicultura em 2011 e recebeu menção elogiosa no Congresso da Apia Mondi, em 2012.
José Carlos Fiuza, de 65 anos, foi o vencedor em 2010 do melhor mel do País no Congresso Brasileiro de Apicultura — anteriormente já havia ficado em segundo lugar na mesma categoria. Ele fabrica cerca de 1,6 tonelada do produto por ano, o que dá cerca de 2 mil potes. Vende cada um por R$ 30. Para fazer a colheita, o apicultor conta com o apoio de um único funcionário, porém, em 30 minutos, consegue retirar 300 quilos de mel.
Fiuza tem aproximadamente 60 mil abelhas, e, em um único dia, a rainha põe até 3 mil larvas. O retorno financeiro é rápido, segundo ele. “Em um ano, o valor investido é recuperado e, nos seguintes, é só lucro”, conta.
Servidor público, comprou um sítio em Sobradinho e desejava ter um pomar. Para estimular a produção, resolveu desenvolver a apicultura. “As abelhas ajudam a polinizar e aumentam a quantidade de frutas.” A rentabilidade do mel foi tão alta no primeiro ano que ele passou a se dedicar mais, fez cursos e investiu em equipamentos.
Apesar do reconhecimento e do aumento na renda, o maior interesse de Fiuza é produzir para consumo próprio, já que não come açúcar e adoça os alimentos com o mel. “No dia em que achar um com a qualidade do meu, eu paro.”
Assistência – Os produtores têm apoio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF) em cursos, em técnicas de produção e em domínio da tecnologia. De acordo com o responsável pela apicultura na empresa, o médico veterinário Edson Garcia Cytrangulo, a quantidade de mel produzida na capital, de 24,55 toneladas por ano, é pequena em comparação a outras unidades da Federação. São 1.140 colmeias espalhadas pelo DF.
“A Emater ajuda principalmente no conhecimento, na troca de rainha, que deve ser feita a cada um ano e meio, e na de favos.” Segundo Garcia, os agricultores brasilienses são bem instruídos e, normalmente, têm uma logomarca própria. Os méis brasilienses registrados pela Secretaria da Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural seguem o padrão de qualidade.
Abelhas – As abelhas são o grande diferencial do mel brasileiro em relação ao resto do mundo. De acordo com Denise Alves, pesquisadora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, o País passou por três fases da apicultura. Na primeira, durante o século 19, as missões jesuítas sentiram a necessidade de produzir cera para fabricar velas que seriam usadas nas missas. Assim, padres portugueses trouxeram as abelhas-europeias. Esses insetos não se adaptaram ao clima tropical. Eles tinham pouca resistência, e a produção era considerada pequena.
O segundo ciclo começa quando o Brasil resolveu investir na produção comercial de mel. Para isso, os agricultores importaram as abelhas-africanas, acostumadas com a região dos trópicos e, portanto, mais tolerantes a altas temperaturas. Elas também são bastante resistentes a doenças, porém mais agressivas. Segundo a pesquisadora, os apicultores brasileiros não tomaram os devidos cuidados com a segurança pessoal, como o uso de vestimenta apropriada. Desta forma, muitos foram atacados pelas espécies africanas, que fugiram e cruzaram com as europeias que já viviam no País.
Como na origem da formação étnica do povo brasileiro, as abelhas nacionais são mestiças e englobam a mistura europeia com a africana. Por terem características predominantemente africanas, recebem o nome de africanizadas. Elas se espalharam pelo continente americano e, de acordo com Denise, já há relatos dessa espécie em alguns estados do sul dos Estados Unidos.
A produção do mel – As abelhas retiram o néctar das flores e o armazenam em uma bolsa dentro do corpo. Em seguida, esses insetos o levam para a colmeia, onde vive a abelha-rainha. Na colmeia, “abelhas-engenheiras” assumem a função de transformar o néctar em mel com a ajuda de enzimas próprias. Em média, uma colmeia tem 60 mil abelhas para apenas uma rainha, responsável para gerar mais insetos.
Agência Brasília